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21/02/2021 às 00h00min - Atualizada em 21/02/2021 às 00h00min

COELHO NETO, Henrique Maximiano

(1864 - 1934)

Da Redação
Academia Brasileira de Letras
Um dos maiores escritores brasileiros no começo do século XX nascido em Caxias, MA, em 21 de fevereiro de 1864 um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que chegou a indicá-lo (1932) para o Prêmio Nobel de Literatura. Filho de uma índia aculturada, Ana Silvestre Coelho, e de um comerciante português, Antônio da Fonseca Coelho, tinha ele seis anos quando seus pais se transferiram para o Rio de Janeiro. Estudou os preparatórios no Externato do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, depois tentou os estudos de Medicina, mas logo desistiu do curso, e entrou para a Faculdade de Direito de São Paulo (1883), transferiu-se para Recife, onde fez o primeiro ano de Direito, tendo Tobias Barreto como o principal mestre, e voltou para São Paulo, onde abandonou o curso (1885) para participar das campanhas abolicionista e republicana. Casou-se (1890) com Maria Gabriela Brandão, filha do educador Alberto Olympio Brandão e nesse casamento foi pai de 14 filhos. Foi nomeado para o cargo de secretário do Governo do Estado do Rio de Janeiro e, no ano seguinte, Diretor dos Negócios do Estado. Foi nomeado professor de História da Arte na Escola Nacional de Belas Artes (1892) e, mais tarde, professor de Literatura do Ginásio Pedro II. Também (1910) foi nomeado professor de História do Teatro e Literatura Dramática da Escola de Arte Dramática, sendo logo depois diretor do estabelecimento. No início da república, além de jornalista e professor de literatura e teatro, foi eleito deputado federal pelo Maranhão, em três legislaturas (1909 / 1913 / 1917). Foi também secretário geral da Liga de Defesa Nacional e membro do Conselho Consultivo do Teatro Municipal. Além de exercer os cargos para os quais era chamado, multiplicava a sua atividade em revistas e jornais de todos os feitios, no Rio e em outras cidades. Além de assinar trabalhos com seu próprio nome, escrevia sob inúmeros pseudônimos, entre outros: Anselmo Ribas, Caliban, Ariel, Amador Santelmo, Blanco Canabarro, Charles Rouget, Democ, N. Puck, Tartarin, Fur-Fur e Manés. Cultivou praticamente todos os gêneros literários e foi, por muitos anos, o escritor mais lido do Brasil. Foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, num concurso realizado pelo Malho (1928). Morreu no Rio de Janeiro e teve como principais publicações Rapsódias (1891), A capital federal, Impressões de um Sertanejo (1893), Miragem (1895), Sertão (1896), Inverno em Flor (1897), O morto, Memórias de um Fuzilado (1898), A Conquista (1899), A Tormenta (1901), O Arara (1905), O Turbilhão, simples como a verdade (1906), A esfinge (1908), O Jardim das Oliveiras (1908), Banzo (1913), Rei Negro, Romance Bárbaro (1914), O Mistério (1920), O Polvo (1924), Imortalidade, Lenda (1926), Contos da Vida e da Morte (1927), A Cidade Maravilhosa (1928), Mano (1929) e Fogo Fátuo (1930). Para o cinema, escreveu o que seria o primeiro filme brasileiro em série, Os mistérios do Rio de Janeiro, do qual só foi terminado e lançado o primeiro episódio. (Figura copiada do site da Academia Brasileira De Letras:)
 

A Conversão de Coelho Neto

O cético literato precisou ouvir a voz da neta desencarnada ao telefone para acreditar na vida depois da vida
No Jornal do Brasil de 7 de junho de 1923, Coelho Neto relata sua conversão ao Espiritismo em artigo que aqui transcrevemos.

- Sim. Tens razão. Combati, com todas as minhas forças, o que sempre considerei a mais ridícula das superstições. Essa Doutrina, hoje triunfante em todo o mundo, não teve, entre nós, adversário mais intransigente, mais cruel do que eu.

Em casa, onde a propaganda, habilmente insinuada, conseguira fazer prosélitos, todos temiam-me, apesar da minha conhecida tolerância em matéria de fé, porque eu não deixava parar um só dos livros de preparação e opunha-me, com energia, às tais sessões reveladoras. Mas que queres?

Não tiveram os cristãos inimigo mais acirrado do que Saulo até o momento em que, na estrada de Damasco, por onde ia para a sua campanha de perseguição, o céu abriu-se em luz e uma voz do Alto o chamou à Fé. E de inimigo que era, tornou-se, desde logo, o tapeceiro de Tarso, o mais fervente e abnegado apóstolo do Christianismo, saindo a pregar a Palavra suave ao gentio pagão. Pois, meu caro, a minha estrada de Damasco foi o meu escritório e, se nele não irradiou a luz celestial, que deslumbrou S. Paulo, soou uma voz do Além, voz amada, cujo eco não morre em meu coração.

Sabes que, depois da morte da pequenina Esther, que era o nosso enlevo, a vida tornou-se sombria. A casa, dantes alegre com o riso cristalino da criança, mudou-se em jazigo melancólico de saudade. Passei a viver entre sombras lamentosas.

Minha mulher, para quem a netinha era tudo, não fazia outra coisa senão evocá-la reunindo lembranças; roupas que ela vestira, brinquedos que a acompanharam até a última hora, entre os quais a boneca, que foi com ela para a cova, porque a pobrezinha não a deixou até expirar.

Julia... coitada! Nem sei como resistiu a tão fundos desgostos: seis meses depois do marido, a filha.

Pensei perdê-la. Todas as manhãs lá ia ela para o cemitério, cobrir o pequenino túmulo de flores, e lá ficava, horas e horas, conversando com a terra, com o mesmo carinho com que conversava com a filha. Ia depois ao túmulo do marido e assim vivia entre mortos, alheia ao mais, indiferente a tudo.

Propus mudarmo-nos para Copacabana. Opôs-se. Insistiu em ficar na casa em que fora feliz e desgraçada, mas onde perduravam recordações amáveis do seu tempo de ventura. Temi que a seduzissem para o espiritismo, que a lançassem no turbilhão do mistério em que se agitam as almas do nosso tempo, como os endemoniados da Idade Média corriam ao sabat, nos desfiladeiros sinistros. No estado de abatimento moral em que ela se achava seria arriscado perturbar-lhe a razão com práticas nigromânticas.

As minhas ordens, dadas em tom severo, foram obedecidas. Júlia passava os dias no quarto, que fora da pequena e de fora ouvimo-la falar, rir, contar histórias de fadas, exatamente como fazia durante a vida da criança.

Tais ilusões dolorosas eram bálsamos que mitigavam o sofrimento d’alma, como a morfina alivia as dores. Cessada a ilusão, o desespero irrompia mais acerbo. Era assim.

Uma manhã, porém, com surpresa de todos, Júlia apareceu-nos risonha, posto que os olhos ainda conservassem lágrimas como as rosas conservam orvalho na corolla, de primavera.

Lucílio tornara-se mais assíduo nas visitas, aparecendo-nos duas e três vezes por semana e o amor, bem sabes, renova; o amor é como o sol que abre flores nas próprias covas.
Já começava a afazer-me a tal idéia quando, uma noite, minha mulher entrou-me pelo escritório, lavada em lágrimas, e disse-me, abraçando-se comigo, que a filha enlouquecera.

- Porque?! Perguntei.

- Está lá embaixo, ao telefone falando com Esther.

- Que Esther?

- A filha...

Encarei-a demoradamente, certo de que a louca era ela, não Júlia.

Como se compreendesse o meu pensamento, ela insistiu:

- Lá está. Se queres convencer-te, vem até a escada. Poderás ouvi-la. Fui.

Como sabes, tenho dois aparelhos: um, no “hall”, outro, em extensão, no meu escritório. Ficamos os dois, minha mulher e eu, junto à balaustrada do primeiro andar. Júlia falava embaixo, no escuro.

Por mais esforço que fizéssemos não conseguíamos ouvir uma palavra. Era um sussurro meigo, cortado de risinhos. O que me pareceu, porque não dizê-lo? Foi que a conversa era de amor.

Tive ímpetos de violar o segredo de minha filha, mas o escrúpulo do meu cavalheirismo conteve-me:

- Porque dizes que ela fala com Esther? Perguntei à minha mulher.

- Por que? Porque ela mesma m’o confessou e não imaginas com que alegria.

Fiquei estatelado, sem compreender o que ouvia. De repente, numa decisão, entrei no escritório, desmontei lentamente o fone do aparelho, apliquei-o ao ouvido e ouvi.

Ouvi, meu amigo. Ouvi minha neta. Reconheci-lhe a voz, a doce voz, que era a música da minha casa... Mas não foi a voz que me impressionou, que me fez sorrir e chorar, senão o que ela dizia.

Ainda que eu duvidasse, com toda minha incredulidade, havia de convencer-me, tais eram as referências, as alusões que a pequenina voz do Além fazia a fatos, incidentes da vida em que se calara, da vida que conosco vivera o corpo da qual ela fora o som.

Mistificação? E que mistificador seria esse que conhecia episódios ignorados de nós mesmos, passados na mais estreita intimidade, entre mãe e filha. Não! Era ela, a minha neta, ou antes: a sua alma visitadora que se comunicava daquele modo com o coração materno, levantando-o da dor em que jazia para a consolação suprema.

Ouvi toda a conversa e compreendi que nos estamos aproximando da grande era, que os Tempos se atraem e o finito defronta o infinito e, das fronteiras que os separam, as almas já se comunicam. E eis como me converti; eis porque te disse que a minha estrada de Damasco foi o escritório onde, se não fui deslumbrado pelo fogo celestial, ouvi a voz do céu, a voz vinda do Além, da Outra Vida, do mundo da Perfeição...

- Ouviste-a ao telephone... E porque não a ouves no ar, como a ouviu... São Paulo, por exemplo?

- Por que? Porque o espírito precisa de um meio em que se demonstre. Para viver conosco, encarna-se. O próprio Espírito de Deus encarnou-se. O lume precisa de um combustível para arder, e o lume é luz, eternidade; o som precisa de um órgão para vibrar. Todo o imaterial carece de um veículo para agir.

- Uma pergunta apenas: Como consegue D. Júlia pôr-se em comunicação com o espírito da filha? Não me consta que a Companhia Telefônica tenha ligação com o Além.

- Respondo-te. Quando Júlia - disse-me ela própria - deseja comunicar-se com a filha, invoca-a, chama-a com o coração, ou melhor; com o amor e ouve-lhe imediatamente a voz. Falam, entretém-se, continuam a vida espiritual. A que lá está em Cima é feliz na Bem-aventurança, e a que ficou na orfandade já não sofre, como dantes sofria, porque o que era esperança tornou-se certeza, absoluta certeza...

- Certeza de quê?

- De uma vida melhor e maior, de uma vida puramente espiritual, como a claridade, vida sem dores, sem os tormentos próprios da carne, que não é mais do que um cadinho em que nos depuramos em sofrimento para alcançarmos a Perfeição.  (Fontes: Revista Verdade e Luz, 18 de junho de 1923; Jornal do Brasil, 7 de junho de 1923; Enciclopédia Barsa)
 
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