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20/04/2023 às 15h55min - Atualizada em 22/04/2023 às 00h00min

Nas cidades brasileiras que mais exportam frutas, realizar o sonho de viver da terra não é pra qualquer um

Conflitos fundiários e por água marcam o cotidiano dos agricultores afetados pelos polos de exportação criados no Nordeste

SALA DA NOTÍCIA
O Joio e O Trigo
Foto: Divulgação/SALA DA NOTÍCIA/Raquel Torres

 

Nazareth nasceu numa comunidade próxima chamada Riacho Grande, de onde foi expulsa ainda adolescente pela ditadura (1964-85). Parte da cidade de Casa Nova foi alagada para a formação da represa que alimenta a Usina Hidrelétrica de Sobradinho. Apesar de não estar exatamente na margem do rio São Francisco, a porção de Riacho Grande em que a família de Nazareth vivia dispunha em abundância do bem mais precioso da Caatinga: a água.

 

Expulsa pela ditadura para a construção da Usina de Sobradinho, Nazareth até hoje não tem acesso à rede de luz elétrica. Foto: Raquel Torres

Hoje, a produção só pode acontecer por encomenda, já que precisa ser escoada de um dia para o outro pra não estragar. Ela conta que já houve um acordo de vender para as escolas, mas a falta de autonomia foi um entrave. “Ficava pedindo ao povo lá na cidade, incomodando. Aí tivemos que parar.”

 

Apesar da traumática reintegração de posse de três acampamentos do MST em 2019, Socorro não desanima: “O sonho não acabou.”. Foto: Raquel Torres

Nosso destino é o Assentamento São Francisco, também em Juazeiro. Por lá, não só o sonho de viver da terra está bem vivo, como um grupo de assentados quer ir além e produzir sem agrotóxicos. Quem nos espera é José Aparecido de Oliveira, o Zezinho, um senhor de 65 anos que anda rápido de lá pra cá, apontando para uma planta e outra da estufa que virou o laboratório da empreitada.

 

“Eu era do veneno. Envenenado, né? Não tinha consciência sobre o agrotóxico”, nos conta Zezinho. Fotos: Raquel Torres

Bloco do eu sozinho

 

O agricultor André se define como um “cabido” por ser pequeno e ter entrado “à força” no negócio das frutas. Foto: Raquel Torres

Enquanto André vende as frutas que cultiva para diferentes atravessadores, encontramos a 50 quilômetros dali, na porção cearense da Chapada do Apodi, um agricultor que depende de uma única grande empresa pra escoar sua produção. Vamos chamá-lo de Jonas*. Algumas semanas depois da entrevista, ele pediu para não ser identificado por medo de retaliação.

 

A escola rural de Melancia atende 45 famílias. Foto: Raquel Torres

Conviver com o semiárido, nos explica, significa se adaptar à escassez das chuvas, a criar formas de lidar com o calor, a valorizar a flora e a fauna locais. Em Melancia, a própria escola onde encontramos Nazareth é um exemplo de convivência com o semiárido. A construção é feita de tijolos de barro, com revestimento em gesso, e, por isso, fica fresquinha. Parece que estamos dentro de um filtro de água. Nossa entrevista aconteceu perto do meio-dia, horário em que, do lado de fora, a pele doía depois de poucos minutos de contato com o sol.

 

Para Edilson, liderança histórica da Chapada de Apodi, a monocultura de melão destruiu os modos de vida dos camponeses locais. Foto: Raquel Torres

Aos 65 anos, já com a voz vacilante, ele relembrou da infância e da adolescência, quando várias famílias vizinhas se juntavam para produzir coletivamente, em canteiros na beira do rio Apodi. “Eu fui criado com meu pai plantando arroz vermelho. Ele nunca botou um quilo de adubo químico. Foi uma coisa muito gostosa, foi minha escola.”


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