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18/04/2023 às 20h07min - Atualizada em 18/04/2023 às 20h07min

Sem-terra ocupam fazenda pertencente à Embrapa Semiárido

A ação causou espanto para o chefe de Pesquisa da Embrapa. "Desenvolvemos produtos e tecnologias que beneficiam a agricultura familiar", diz Anderson Oliveira.

Alex Rodrigues
Agência Brasil - Brasília
Propriedade é usada para cultivo e sementes do Cerrado, diz empresa - © Fernanda Muniz Bez/EMBRAPA

   
Cerca de 600 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam, desde a madrugada de domingo (16), uma fazenda pertencente à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada em Petrolina (PE).

Vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, a empresa pública afirma que a propriedade é usada há décadas para a realização de experimentos que buscam tornar mais resistentes as sementes e mudas de plantas cultivadas no Cerrado, aumentando a produtividade destes produtos.

“A ação nos causou espanto. Parece-nos incoerente, já que, no local, desenvolvemos produtos e tecnologias que beneficiam a agricultura familiar e os produtores do semiárido”, declarou à Agência Brasil o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Semiárido, Anderson Oliveira, revelando que o departamento jurídico da empresa já pediu à Justiça a desocupação e reintegração de posse do terreno.

Segundo Oliveira, a propriedade em questão tem cerca de 500 hectares, dos quais os sem-terra estão ocupando cerca de 46 hectares (cada hectare corresponde aproximadamente às medidas de um campo de futebol oficial). Ainda de acordo com o gestor, além de um amplo espaço destinado ao plantio de espécies usadas nas pesquisas, há ainda uma área aproveitada para a produção da forragem com que os técnicos complementam a alimentação do rebanho de gado, ovinos e caprinos criado no local.

“É uma área de apoio. E há também uma outra área de preservação e conservação legal do bioma, na qual não produzimos nada, mas estudamos as espécies nativas e as interações”, explicou Oliveira, acrescentando que, no espaço ocupado pelos sem-terra, estão sendo realizados os preparativos para o tradicional Semiárido Show, feira expositiva agendada para agosto e que deve atrair cerca de 20 mil pessoas de todo o Nordeste.

“Fizemos imagens que apontam que parte da vegetação da área de preservação já foi suprimida e que os sem-terra estão avançando em direção à área de produção de forragem para o rebanho. Já fizemos algumas ações junto à Justiça, mas tenho a esperança de que as lideranças do movimento se sensibilizem e desocupem o local, pois esta ação pode comprometer a fauna e a flora, incluindo animais ameaçados de extinção, e também as pesquisas de uso sustentável do bioma”, acrescentou Oliveira.

Desafio

O MST classifica a fazenda como uma “área devoluta”, ou seja, terras públicas às quais o Poder Público não deu destinação adequada e que, portanto, deveriam ser destinadas à reforma agrária e ao assentamento de pessoas sem-terra.

Dirigente do MST em Pernambuco, Paulo Sérgio adiantou à Agência Brasil que os sem-terra não pretendem deixar a área, que defendem que seja usada para assentar as famílias. “Desafiamos a Embrapa a provar que, nos últimos anos, algum agricultor familiar tenha sido beneficiado pelos projetos de desenvolvimento ou por qualquer tipo de pesquisa local da empresa, que vem trabalhando a serviço do agronegócio”, criticou Sérgio.

“Há mais ou menos seis anos, esta área estava dedicada à pesquisa e extensão, mas de lá para cá, a área está tomada pelo mato. Qualquer um que venha até aqui verá isso. Basta chegar ao acesso principal à área onde estamos acampados para confirmar isso”, acrescentou o sem-terra.

O próprio chefe de Pesquisa e Desenvolvimento, Anderson Oliveira, reconhece que, nos últimos anos, dificuldades orçamentárias obrigaram a Embrapa a interromper algumas pesquisas e a adiar novos projetos, mas insistiu que a propriedade cumpre sua função social. “Enfrentamos um período muito difícil, no qual não tínhamos os recursos necessários para desenvolver todas as pesquisas que gostaríamos. Por isso, talvez, os sem-terra que estavam habituados ao nosso trabalho estranhem até mesmo a falta de algumas estruturas físicas aparentes, mas seguimos desenvolvendo um trabalho de ponta, importante, no local”.

Ontem (17), o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, usou sua conta pessoal no Twitter para criticar a ação do MST. Fávaro, que é ligado à agropecuária e foi vice-governador do Mato Grosso, classificou a iniciativa como “inaceitável”.

“Sempre defendi que o trabalhador vocacionado tenha direito à terra. Mas à terra que lhe é de direito! A Embrapa, prestes a completar 50 anos, é um dos maiores patrimônios do nosso país. O agro produz com sustentabilidade; se apoia nas pesquisas e em todo o trabalho de desenvolvimento promovido pela Embrapa. Atentar contra isso está muito longe de ser ocupação, luta ou manifestação. Atentar contra a ciência, contra a produção sustentável é crime e crime próprio de negacionistas”, escreveu Fávaro.

Jornada

A ocupação da fazenda da Embrapa Semiárido por integrantes do MST não foi um ato isolado. Segundo o próprio movimento, a ação faz parte da 26ª Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária, que acontece em todo o país, com “mobilizações massivas” em ao menos 18 estados.

Só em Pernambuco, o MST afirma já ter ocupado nove propriedades desde o último dia 3. Sete destas ocupações ocorreram neste fim de semana, nas cidades de Timbaúba, Jaboatão dos Guararapes, Tacaimbó, Caruaru, Glória do Goitá, Goiana, além de Petrolina.

Além de propriedades rurais e terras públicas, os sem-terra também ocupam escritórios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em ao menos 12 unidades federativas (Maranhão, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Paraíba, Mato Grosso, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Distrito Federal).

De acordo com o MST, as ocupações, marchas, vigílias, acampamentos e demais ações em defesa da reforma agrária continuarão acontecendo de forma coordenada até ao menos a próxima quinta-feira (20). Além de criticar a concentração de terras brasileiras na mão de poucas pessoas e empresas, a jornada resgata, anualmente, a memória dos 21 trabalhadores rurais sem-terra assassinados por policiais militares, em 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás (PA), no episódio que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás.


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