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19/02/2023 às 20h38min - Atualizada em 19/02/2023 às 20h38min

Maranhão: Rosa Reis mantém viva a memória do carnaval popular

Caixeira do divino e cacuriá, cantora dirige o grupo Laborarte, celeiro da cultura popular maranhense, ponto de referência na cidade há mais de 50 anos.

Luciano Nascimento
Agência Brasil - São Luís
Rosa começou a carreira artística em 1989- © Rosa Reis/ Acervo Pessoal

  
No mês em que a alegria toma conta das ruas por causa do carnaval, a Agência Brasil publica a série de entrevistas Patrimônios do Carnaval, com personalidades que expressam a história, a cultura e o espírito da festa que mobiliza comunidades de Norte a Sul do país. Confira a entrevista com Rosa Reis.

Cantora, caixeira do divino e cacuriá, dançadeira de tambor de crioula. Assim se define Rosa Reis, personalidade de destaque na cultura popular do Maranhão, coordenadora do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte), grupo fundado nos anos 1970, que tem papel de destaque em pesquisa, registro e divulgação da cultura popular do estado. Nascida em 6 de março de 1959, Rosa integra o Laborarte desde 1983.

O grupo atua em diversas linguagens artísticas e é um celeiro de artistas do teatro, dança, música, fotografia, artes plásticas e da cultura popular maranhense. É uma espécie de escola voltada para a valorização da cultura popular, onde se aprende sobre diferentes manifestações, como tambor de crioula, tocar caixa do Divino Espírito Santo, dançar cacuriá, dança típica do estado, e a conhecer a história da cultura popular maranhense. Há mais de 50 anos, o Laborarte é ponto de referência para a cultura popular do Maranhão.

Na segunda-feira de carnaval, o Labô, como é carinhosamente chamado, abre as portas do casarão histórico no Centro de São Luís, na rua Jansen Müller, para promover a tradicional com diferentes manifestações da cultura popular. Blocos tradicionais, Tambor de Crioula, blocos Afro, Tribos de Índio, Casinha da Roça e outras brincadeiras se apresentam em frente ao casarão centenário que abriga o grupo. Brincantes fantasiados de Fofão, personagem típico, dão brilho à festa. A iniciativa de mais de 30 anos tem por objetivo preservar a memória do carnaval tradicional da cidade.

Além de coordenar o Labô, Rosa tem carreira artística, iniciada em 1989, com o show Cantareira. Desde então, gravou composições diferentes compositores, como Josias Sobrinho, César Teixeira, Chico César, Joãozinho Ribeiro, Chico Maranhão, Nosly Júnior, Celso Borges, Zeca Baleiro, Fauzi Beydoun e Tião Carvalho. Lançou seis álbuns de estúdio e uma coletânea, além de participação especial em discos de outros artistas.

Rosa Reis é produtora e integrante dos espetáculos Cacuriá de Dona Teté, atualmente sob sua responsabilidade, e do Tambor de Crioula do mestre Felipe. A arte, que corre nas veias da família, resultou em parceria artística com suas três filhas, Luana Reis, Imira Brito e Camila Reis, em diversos espetáculos do grupo.

Agência Brasil: Como começou essa relação com a cultura popular? 

Rosa Reis: Considero minha relação com a cultura popular a partir do momento em que entrei no Laborarte e comecei a descobrir mais o Bumba-boi, o tambor de Crioula, acompanhar mais todos esses movimentos. Desde então cada vez mais me aprofundei, passei a pesquisar mais, fui me envolvendo mais e trouxe tudo isso para dentro do meu trabalho de música. É dessa forma que chegou o meu envolvimento com a cultura popular. Essa coisa de estar convivendo com os mestres, conversando, participando de oficinas, indo nos terreiros, indo nas suas sedes e isso tudo foi me deixando cada vez mais apaixonada pela nossa cultura tradicional.

Agência Brasil: E sua trajetória com o Laborarte, como foi?

Rosa Reis: Cheguei ano Laborarte em 1983 e aqui comecei a trabalhar com o departamento de som, porque, na época, eu cantava no Coral São João. Minha contribuição com o departamento de som, com o trabalho em várias linguagens: teatro, dança, música. Lá começamos a criar shows, a fazer trabalho de pesquisa de ritmos tradicionais como Bumba-boi, Tambor de Crioula, Festa do Divino, Cacuriá. E foi aí que começou toda essa história onde estou até hoje.

Agência Brasil: É um desafio estar a frente do Laborarte?

Rosa Reis: É um grande desafio, porque aqui trabalhamos várias linguagens que demandam. Já tive um momento mais difícil, porque sou funcionária pública, agora aposentada. Então, houve um tempo que era superdifícil conciliar os horários e ao mesmo tempo estar trabalhando com a arte e com a cultura. Hoje me sinto mais tranquila.

Temos grupo de gestão em várias áreas: de capoeira, teatro, tambor de crioula e dança popular que é o Cacuriá. Então, várias equipes trabalham juntas e conseguem manter o casarão em funcionamento o tempo todo. Mas a manutenção ainda é difícil, pois o casarão tem mais de 100 anos e está sempre precisando de pequenas reformas e manutenção.

Para manter o casarão, fazemos oficinas, vendemos espetáculos. Daí sai um percentual e é com ele que a gente se mantém. Fora isso, participamos de editais. Às vezes, o percentual que vem das oficinas acaba sendo mais para pagamento das pessoas que estão à frente. Então, é dessa forma que a gente vai sobrevivendo aqui, realizando projetos sociais. Já tivemos trabalhos em projetos sociais e culturais. Os dois últimos anos foram muito difíceis, em razão da pandemia. Agora que estamos nos levantamentos.

Tivemos um coordenador no Laborarte, o Nelson Brito, que fez o grupo funcionar o ano inteiro, dentro do calendário cultural da cidade, no Carnaval, na Semana Santa, São João, férias, semana da criança, Natal. A gente sempre fazia um espetáculo nessas datas, sempre tinha eventos e isso propiciava manter a casa. Até porque não recebemos subsídios do governo do estado ou da prefeitura. Aqui a gente se mantém mesmo com as nossas atividades, com as nossas produções.

Agência Brasil: Fale um pouco sobre o carnaval no Laborarte.

Rosa Reis: Quando cheguei aqui, o pessoal fazia muito adereço para as escolas de samba. Os artistas plásticos da casa traziam alas para fazer adereços e tudo mais, então já tínhamos aquela relação com o carnaval. Mais ou menos em 1986, 1987, o grupo começou a pensar um espetáculo que trouxesse o carnaval do jeito que ele acontecia na cidade, na rua. Então, vimos que estava muito enfraquecido, principalmente o de rua, de grupos, de brincadeiras. Naquela época, tinha mais o carnaval de passarela, que a gente questionava, por achar que era uma imitação do Rio de Janeiro, essa coisa toda. 

Na verdade, a gente queria fortalecer um outro lado do carnaval, que era o de rua. Dos grupos tradicionais, dos blocos. Temos muitos blocos tradicionais na cidade, muitas tribos de índio. As tribos hoje precisam de renovação, é uma manifestação que está muito enfraquecida por falta de investimento, apoio mesmo. Aí temos as turmas de samba que já são bem tradicionais, como os Fuzileiros da Fuzarca, os tambores de Crioula. Tem também os brincantes de rua, como Cruz Diabo, Baralho, Urso, o Macaco e Cachorro, Dominós, Fofão que é um personagem bem tradicional daqui. Isso tudo estava desaparecendo e alguns chegaram a desaparecer,

Outra coisa eram os bailes na cidade, na noite de segunda-feira: o Bigorrilho, a Gruta do Satã, o Saravá. Os bailes aconteciam em casarões e as pessoas iam mascaradas. Eu não vivi isso muito, pois era garota ainda, mas ouvia falar dos bailes. E era isso que a gente queria, fortalecer esse lado, realizando o Carnaval de Segunda, chamando atenção para isso, chamando através dos espetáculos que a gente fazia, dos textos. E também do envolvimento político dentro da festa. Trouxemos questionamentos, como por exemplo, abadá. Porque todo mundo está usando abadá se a gente pode botar, criar a nossa fantasia?

É a partir daí que surge o Carnaval de Segunda, fazendo questionamentos e trazendo para a porta do Laborarte. E uma das coisas de antigamente eram os assaltos, como eles chamavam. Os assaltos eram as visitas dos grupos à casa de amigos, de parceiros. Era um troca, você dava uma bebida, uma comida, tinha toda uma relação e hoje isso praticamente acabou. Ainda acontecem em algumas casas, que convidam alguns grupos, mas hoje a dificuldade é maior, pois para um grupo sair ele precisa de transporte, cachê dos músicos.

Começamos também com a programação infantil, que é o Baile da Chupeta, E vamos ter a Serpentina, que é um trabalho feito com amigos. As crianças ficam todas apaixonadas, depois temos o bloco Afro Akomabu, vamos ter o Tambor de Crioula do mestre Felipe, o bloco tradicional Os Feras, o Urso Caprichosos, que eram brincadeiras que estava desaparecendo. A gente foi no interior da ilha, na Mata e lá tinha o Urso Caprichoso, que trouxemos para se apresentar aqui. Esse grupo se fortaleceu, tanto que até hoje ele permanece vindo aqui. Vamos ter todas essas manifestações e o meu show que também vai acontecer. Fora isso, a gente deixa sempre um espaço para brincadeiras. Muita família, muita criança, as pessoas mais idosas gostam de ficar aqui em cima assistindo no casarão.

Agência Brasil: Você falou de manifestações que praticamente desapareceram e uma delas foi a Casinha da Roça.

Rosa Reis: A Casinha da Roça passou um período sem se apresentar e, então, começamos a também trazer para cá. Depois surgiram outras casinhas da roça, como a Tijupá, a Tapera, inspiradas nessa primeira casinha tradicional, que era de 1940, uma coisa assim. Eu não sei como está hoje, depois da pandemia. Tem um companheiro que fazia uma das casinhas, que era o Erivaldo Gomes, que faleceu, e ele fazia a Tapera. A gente está vendo que o Carnaval em São Luís deste ano não teve apoio. 

Agência Brasil: Como você está vendo o carnaval aqui?

Rosa Reis: Eu estou achando muito estranho, esquisito, porque a gente tem que valorizar nossas tradições. O que eu percebo é que está havendo uma grande contratação de grupos de fora, de trios, axé e outras sonoridades que não têm nada a ver com o carnaval e é um investimento muito alto. Esse investimento poderia ser voltado para cá, para determinados grupos que estão precisando, como as Tribos de Índio, o Tambor de Crioula que tem muitos grupos na cidade. Acho que está sendo uma coisa terrível, e o governo tem que fomentar a cultura, fazer com que a gente reforce isso e não é o que está acontecendo.

Agência Brasil: Fale um pouquinho sobre o seu trabalho.

Rosa Reis: Eu gosto demais, gosto de trabalhar muito com o São João, gosto mais do que o carnaval. Mas no carnaval tem sempre esse envolvimento, sempre essa alegria, já tem muitos anos que a gente faz isso aqui e é sempre muito gostoso cantar as nossas marchinhas, músicas, trilhas, tambores. O São João para mim também é muito forte. Participo do Cacuriá. Tínhamos uma grande mestra que é dona Teté, que se foi. 

Eu canto no Cacuriá, no show, cantar Bumba-boi, Tambor de Crioula, Tambor de Mina. O envolvimento é muito forte, acho que está na pele, no sangue. Para mim, meu trabalho tem um pouco de tudo isso, é o que eu gosto de fazer, o que eu gosto de cantar.

Agência Brasil: Como é desenvolver parceria com as filhas no Laborarte? Como é a interação artística?

Rosa Reis: As minhas meninas começaram aqui bem pequenininhas, porque a gente vinha para cá, eu e o Nelson Brito, pai das meninas porque ele era coordenador daqui. Era a pessoa que dava o sangue pela cultura do Estado. Alguns amigos o chamavam de guerrilheiro da cultura popular. A gente vinha para cá, ensaiar e trazia as meninas e acho que elas foram absorvendo toda essa história. Desde pequenas começaram a dançar o Tambor de Crioula, o Cacuriá. Aí, quando adultas, já estavam dentro da história. Hoje, eu tenho Camila, que canta, faz contação de histórias, escreve livros, é uma artista muito completa. Tenho a Luana, que já tem mais a parte da dança e do teatro, e a Imira, que também participa dos espetáculos, mas gosta mais da gestão, gosta mais de fazer a produção. A gente está aqui hoje, presente participando de tudo. E tem o Nelsinho, que é da capoeira, que era sobrinho de Nelson. Está desde pequenininho aqui, se tornou mestre de capoeira e hoje gerencia a capoeira do Laborarte. Tudo foi acontecendo espontaneamente.


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