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17/02/2023 às 22h05min - Atualizada em 17/02/2023 às 22h05min

“A Guerra do Leda”

Assassinatos, estupros, castrações e esbulhos no alto sertão maranhense, no fim do século XIX

Elson Araújo
 
Superficialmente é estudado nas escolas que o alto sertão maranhense, região que compreende o sul do Estado, foi um dos últimos rincões do Estado a alcançar algum tipo de desenvolvimento.  “A costa sempre esteve de costas para este lado do Estado”. Isso incomodava muito, como até hoje incomoda, a gente da nossa região. Se na atualidade as ações do poder público ainda são escassas por aqui, imagine isso no final do século XIX e começo do século XX.  A sensação era de total abandono. O motivo da chamada “Guerra do Leda” foi esse sentimento, marcado por ferrenhas disputas políticas.

Segundo a historiadora Layla Adriana Teixeira Vieira, num estudo acadêmico apresentado no simpósio nacional de história, em Natal (RN), em 2013, o movimento defendia, perceba a ousadia e o idealismo das lideranças da época, a independência política do sertão maranhense tendo como fundamento esse abandono regional e a carência de desenvolvimento.

Certamente essa movimentação não poderia passar ao largo dos olhos do governo maranhense, que tratou logo de sufocá-lo. Mas esse não é o alvo da coluna de hoje. O destaque é para, diria, um fragmento, ainda pouco estudado, ou melhor um dos desdobramentos do levante pela emancipação do alto sertão maranhense que resultou num banho de sangue humano sob a “batuta” do então senador, naqueles idos um poderoso chefe político maranhense, Benedito Pereira Leite.

Essa guerra, custou a vida de dezenas de inocentes. Foram inúmeros assassinatos, estupros, torturas. Além disso, muita gente teve as propriedades esbulhadas pelos soldados de Benedito Leite. Muitos dos que resistiam, eram castrados (capados) na frente de todo mundo.

Esse pedaço da história do Maranhão foi registrado/denunciado pelo escritor, professor, jornalista, geógrafo e rábula (advogado) João Parsondas de Carvallho, no livro “A guerra do Leda”, e revisitado em 2007 pelo fundador da Cadeira 02 da Academia Imperatrizense de Letras, Sálvio Dino, que hoje ocupo e que tem como patrono Parsondas de Carvalho. O texto de hoje é desdobramento do anterior. Reveja (https://oprogressonet.com/noticia/28562/riqueza-literaria-do-maranhao).  

 Pois, bem, como já fora dito, o saudoso Sálvio Dino, no livro Parsondas de Carvalho, um novo olhar sobre o sertão, revisita o livro A Guerra do Leda. A obra é um relato cruel desse esquecido fragmento da nossa história, ocorrido no final do século XIX, cuja motivação inicial era emancipar a região sul do Maranhão, mas que acabou em muito derramamento de sangue.

O livro reportagem, Parsondas de Carvalho, um novo olhar sobre o sertão, de Sálvio Dino, pode ser considerado o principal documento produzido pelo fundador da Cadeira 02 da AIL, sobre seu patrono, testemunha dos acontecimentos daquele tempo em que o Maranhão era governado por João Gualberto Torreão da Costa, mas quem mandava era o poderoso chefe político e senador Benedito Pereira Leite. Sigamos pelo túnel da história!

Na construção do livro reportagem, Sálvio Dino, com o olhar do patrono, percorreu toda a região, visitou famílias, resgatou informações inéditas e até visitou o túmulo de Parsondas, que morreu em junho de 1916, na vizinha Montes Altos, onde está sepultado.

Toda a atrocidade ocorrida na “guerra do leda”, na apuração do acadêmico Sálvio Dino, foi denunciada por Parsondas de Carvalho nos jornais de São Luís, principalmente em A Pacotilha. Tamanha a vontade de tornar público e fazer barrar esses acontecimentos aqui na região, que ele, a cavalo, foi “bater no Rio Janeiro” para denunciar o episódio, no então Jornal do Brasil, um dos mais importantes jornais da sua época. Por essas terras, os relatos sobre a guerra do leda poderiam ter sido varridos para debaixo do tapete da história, se não fosse a coragem de Parsondas.

O episódio é assim chamado “guerra do leda” porque um dos protagonistas foi o grajauense Leão Rodrigues de Miranda Leda, um rico político e proprietário de terras desta região. De orientação liberal/republicana, Leda era ferrenho adversário de Benedito Leite e do governador da época.  

Pode se dizer que o banho de sangue   e outras atrocidades   levadas a efeito sob o incentivo de Benedito Leite, e o patrocínio do Governo do Maranhão, teve início a partir do assassinato do promotor de Justiça, Estocolmo Eustáquio Polary, em 16 de agosto de 1898, em Grajaú. Na conjuntura da época, “prato perfeito” para o poderoso chefe político se livrar de um adversário, que há muito vinha lhe incomodando. A estratégia para isso, foi acusar Leda, o genro dele Tomaz Moreira, e todo seu grupo, pela encomenda do crime.

A morte de Polary acabou por justificar o envio pelo governo maranhense de um grande contingente da Polícia para a região.
Já havia um conflito político por causa da luta pela emancipação da região, que tinha Leão Leda como um dos líderes, mas o caldo engrossou mesmo, foi depois do assassinato do promotor público. Naquele tempo, algumas dessas disputas eram resolvidas na base da bala. Agora, imagine isso quando a peleja tinha numa ponta um prestigiado e influente chefe político, e na outra, um rico proprietário de terras, adversário ferrenho dos mandatários do Maranhão.

Leão Leda não era bobo. Isso fica claro na obra de Sálvio Dino/Parsondas. Ele Sabia da existência do devido processo legal e que não poderia ser acusado unilateralmente de um crime, que dizia não ter praticado, e não poder se defender. Fez uma visita ao magistrado do lugar, impetrou habeas corpus, enfim, tentou se defender legalmente, mas quando viu que o legal não resolveria, se apropriou de um método de defesa muito utilizado nos rincões do Brasil, naquele tempo. Ele contratou, pelo menos, duas dezenas de pistoleiros para fazer a sua segurança. Se tornou um fugitivo da Polícia. Sabia que a ordem dos Leões, no caso de prisão, seria sua execução. Havia ali uma implícita “sentença de morte” conta Leão Leda que não ficou na cidade para “pagar para ver”.

Como o espaço da coluna acabou, não é possível contar o desfecho dessa história na edição de hoje. Na semana que vem, o final dessa história.
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