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10/02/2023 às 21h45min - Atualizada em 10/02/2023 às 21h45min

Carnaval... Uma festa de todos (?)

Maria Helena Ventura
Acadêmica Maria Helena Ventura -Foto: Divulgação
Eu era uma adolescente beirando meus 13 a 14 anos. Minha única distração naquela bucólica cidade de Valença, no interior da Bahia, era ler poesias. Como elas me encantavam! Às vezes me faziam chorar. Mas era um choro com sabor de encantamento. O ponto final me encontrava invariavelmente entre sorrisos e suspiros. Estes bem longos, por sinal.

Aos domingos à tarde, quem passeasse pelas ruas – a maioria delas com calçamento de pedras – observaria as mulheres vestindo suas roupas “domingueiras”, costumeiramente sentadas à porta de casas singelas, para tagarelar sobre os fatos reais, e os imaginários também, que corriam pela cidade. A outra distração era ir à missa cantada em latim. Eu e minha irmã mais nova, por não entendermos nada do que o padre falava, deixávamos escapar risos que fugiam ao nosso controle e só eram estancados, de súbito, pelo beliscão que minha mãe nos dedicava.

Um dia, a pacata cidade amanheceu em polvorosa. A única agência bancária recém-construída, iria ser inaugurada. As mocinhas casadouras comentavam: “Dizem que o gerente é solteiro”.

Lembro-me bem. Nas horas vagas o dirigente bancário era poeta. Gostava de sentar-se no alpendre de nossa casa e recitava poesias de autores consagrados e terminava, quase sempre, com uma poesia de sua própria autoria. Estas deixavam exalar um sentimento de nostalgia que parecia toldar-lhe a alma, embora ninguém nunca tenha entendido o motivo de tanta e tão profunda melancolia.

Estávamos quase às vésperas do Carnaval.

O assunto na cidade girava em torno da folia de Momo.

O homem triste chegou devagarinho em nosso lar, como de costume, e após saudar a família, que naquele momento encontrava-se reunida em fraterna tertúlia, sentou-se em silêncio.
 
O enigmático amigo, de supetão, começou a declamar:

 

Carnaval, carnaval, quanta ironia
Para que se mascara a humanidade
Se temos todos, desde tenra idade,
Essa máscara vil, a hipocrisia?
Para que nos trajarmos de palhaços
E sairmos assim de voz fingida
Nesses dias de doida bacanal?
Se somos uns arlequins devassos,
Uns fascistas eternos e se a vida
É um eterno e tremendo carnaval?

 
Muitos anos se passaram. Eu, porém, fiquei repetindo aquela poesia cheia de estranha beleza durante as nossas mudanças de cidade em cidade, acompanhando o meu pai – de saudosa memória – no atendimento de sua profissão de militar.

Um dia, não me perdoo. Dei-me conta de que havia esquecido uma estrofe daquela poesia sobre o carnaval. Eu a havia recebido como um presente e a guardado como uma relíquia. Era o vínculo com aquele poeta anônimo de quem havíamos perdido o contato pelas ruelas do tempo.

Hoje, depois de tantos anos, eu me pergunto qual conceito alimento sobre o carnaval.

Digo a mim mesma que essa pergunta não é fácil de responder. Tenho de colocar na balança:

– É um lazer saudável para os cidadãos que usufruem das regalias de um país do primeiro mundo?    

– É uma fuga psicológica para o desempregado de países subdesenvolvidos que se veste de traje de púrpura e rodopia na avenida marcando os passos da moça da favela, deslumbrantemente vestida de rainha, sob os aplausos da multidão?

De qualquer forma, o carnaval é a grande festa popular, talvez a mais antiga da Humanidade, encontrada desde os mais remotos tempos em quase em todos os povos. E ainda hoje são carnavais famosos o de Nice (França), Veneza (Itália) e o Mardi Gras (Nova Orleans, EUA).

Os gregos igualmente reservam, no seu calendário, três dias do mês de fevereiro para consagrá-los ao deus Dionísio.

Os romanos homenageiam Baco, o deus do vinho. As festas em homenagem a ele se tornaram pretexto para a devassidão e crimes. Daí dizermos hoje em dia: “uma bacanal”, significando banquete escandaloso, grande libertinagem.

Apesar de Saturno ser um deus da mitologia grega, os romanos o homenageavam com uma festa em Roma, no mês de dezembro. Esse deus grego, após ser destronado e expulso do céu por seu filho Júpiter, viera habitar o Lácio, antiga região da Itália Central, e ali fez florescer a “idade do ouro”, defendendo a igualdade entre todos os homens. As festas onde se pretendia homenagear Saturno eram chamadas de Saturnálias. O que acabava reinando nessas festas era a licenciosidade, onde tudo se tornava permitido.

Ainda na velha Roma, comemorava-se em 15 de fevereiro o deus Lupércio. Os sacerdotes desse deus se banhavam no sangue de uma cabra, depois se lavavam com leite e, despidos, tendo apenas uma pele de bode aos ombros, corriam pela cidade batendo na multidão com tiras de couro. Essa prática foi abolida no fim do século V pelo Papa Gelásio.

Segundos os historiadores, o começo oficial do carnaval no Brasil teria sido em 1641, no Rio de Janeiro, quando o Governador Salvador Corrêa de Sá instituiu uma série de festejos para comemorar a ascensão de D. João IV ao trono de Portugal, restabelecendo a monarquia portuguesa. Já existia em Portugal a festa do Entrudo, o qual foi introduzido no Brasil durante o Império. Este festejo consistia em combates de rua onde se usavam seringas contendo água suja e outras substâncias, para jogar nas roupas dos passantes durante o período que antecedia a Quarta-Feira de Cinzas.

Há, porém, os que argumentam a favor do carnaval e os que argumentam contra

A FAVOR:
  1. “O povo precisa dessa festa em que a liberdade de costumes e a alegria constante dissolvem as tensões acumuladas”;
  2. “É possível participar dele apenas pelo divertimento, sem intenções libidinosas, sem excessos alcoólicos, guardando respeito e compostura, sem se deixar levar pelo desequilíbrio reinante”;
  3.  “A festa apresenta arte e beleza, e enseja criatividade”;
  4.  “Atrai turistas, dá emprego a muita gente”.

CONTRA:
  1. “Há em alguns, elevado número de dramas passionais, sedução e desvio sofrido por muitos jovens, acarretando, depois, remorsos e desajustes do psiquismo”;
  2. “Há o excesso alcoólico que anestesia a consciência e o uso danoso de drogas, que nele também se tornou comum, propiciando um ambiente de violência indiscriminada”;
  3. “Há o esgotamento das energias, debilitando o corpo físico e ocasionando complicadas moléstias. E quando há promiscuidade, surgem enfermidades mais danosas”;
  4. “Há a dissipação de recursos financeiros que poderiam e deveriam ser empregados no bem-estar familiar e social’.

Por fim, não percamos tempo discutindo se devemos ou não, participar dos festejos carnavalescos.

Aquele que defende a legitimidade de sua participação em festas mundanas é livre para escolher suas próprias experiências.

Um dia, barbárie e primitivismo desaparecerão da Terra. As paixões do prazer violento serão substituídas pela alegria pura, a jovialidade, o júbilo real. O homem despertará para a beleza e para a arte sem agressão, mas dentro de um comportamento mais adequado ao nosso equilíbrio espiritual.  Este é o nosso anseio.

Aonde mesmo andará o melancólico poeta que me fez rememorar a polêmica que se criou em torno do carnaval?

 
Maria Helena Ventura, Academia Imperatrizense de Letras, Cadeira 24

Maria Helena Ventura Oliveira é natural de Salvador - BA (22/05/1946). Casada com o médico Evilásio Oliveira e mãe de Rodrigo (engenheiro), Érica (educadora) e Gustavo (médico) . Após concluir o Curso Pedagógico, ingressou na Faculdade de Serviço Social, recebendo o diploma de Assistente Social pela Universidade Católica de Salvador. É palestrante, escritora, ensaísta, autora do livro “Experiências de Vida na Comunidade Pesqueira de Plataforma” e articulista com inúmeras publicações nos jornal “O Progresso” e no extinto “Jornal Capital”. Criadora e apresentadora do programa radiofônico “Além da Vida”, na antiga Rádio Imperatriz, durante 12 anos. Criadora e Apresentadora do Programa de TV “Novo Tempo”, durante 10 anos, na TV Capital. Fundadora das seguintes Obras Sociais: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Apae/Imperatriz; Sanatório Santa Rita de Cássia, hoje Associação de Amparo aos Portadores de Câncer – Ampare; fundadora de mais cinco obras filantrópicas em Imperatriz e uma em João Lisboa. Recebeu os seguintes títulos e homenagens: Membro da Academia Imperatrizense de Letras – Cadeira 24; “Cidadã Imperatrizense”, concedido pela Câmara Municipal de Imperatriz – MA; “Comenda Frei Manoel Procópio”, a mais alta condecoração outorgada pela Prefeitura Municipal de Imperatriz.

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