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11/11/2022 às 23h08min - Atualizada em 11/11/2022 às 23h08min

Uma noite do outro mundo

Elson Araújo
 
Nunca havia trabalhado na vida. Nada lhe faltara na infância, e o fato se repetiu na adolescência.

Estudar? Só mesmo o basicão. Aprendeu a escrever, a fazer as quatro operações e para ele estava bom demais. Era filho único. O pai era rico e “jamais lhe deixaria na mão”, dizia ele sempre que um amigo mais próximo ou parente o admoestava a estudar e a pensar no futuro.

Terêncio que não se sabe o porquê ganhou o apelido de Jejebinha, gostava mesmo era de dançar, namorar, tomar cana e enfim, gastar a dinheirama do pai setentão que fez fortuna trabalhando pesado nos garimpos do Estado do Pará.

Nas festas Jejebinha gostava de “bulir” com o que era dos outros. Jovem, bonito e com muito boi no pasto, não era difícil seduzir as jovens mulheres dos peões das fazendas da região, que em dia de folia se juntavam no único clube da pequena cidade.

Em alguns casos, por mais incrível que possa parecer, os próprios maridos empurravam as mulheres para o garanhão que era uma gabolice só. Com aquele gesto incomum os peões ganhavam o direito de sentar-se à mesa do menino rico e com ele beber e comer sem se preocupar com a despesa.

Sabia-se de um único caso de um desses maridos corneados se insurgir contra os assédios de Jejebinha. O final não foi feliz. Meu avô me contou a história.

Ao perceber Terêncio se jogando para cima da esposa, que retornava do banheiro, o peão cuidou de defendê-la logo do acintoso assédio.

Ele era novo no lugar e não conhecia bem a fama do Jejeba.  Ato contínuo agarrou o bonitão pela gola da camisa, deu-lhe um safanão que caiu, como se dizia naquelas plagas, catando mamona, indo o rapaz se estatelar no meio do salão.

- Respeita mulher de homem, cabra safado- gritou para todo mundo ouvir o valente peão.

Jejebinha, olhou para todos os lados e não reagiu. Nada disse. Levantou-se, olhou para uma escoriação no braço esquerdo que a queda ocasionara. Fixou um olhar frio na direção do peão. Meneou com desdém a cabeça e de costas se afastou com o dedo em riste apontado para casal.

Dois dias depois o peão foi encontrado morto boiando no açude da fazenda onde trabalhava. Falaram que ele tinha levado um choque de um dos poraquês que infestava aquele açude enquanto pescava. Não houve apuração e caso ficou naquilo mesmo.

Se alguém quisesse saber o que de fato tinha ocorrido, iria descobrir que sob a mira das armas dos seguranças de Terêncio o peão foi obrigado a beber três garrafas de cachaça, em seguida levado numa canoa até o meio da lagoa e lá obrigado a pular na água. Uma semana depois ninguém falava mais no assunto.

Terêncio continuava com sua boa vida. Já torcia pela morte do pai para assim, se apossar das terras, gado e tudo mais que o velho juntara durante toda a vida de garimpeiro.

Um dia durante mais uma grande festa na cidade, lá estava Terêncio sentado à mesa com os “sócios" e suas respectivas mulheres. Ainda não sabia com qual delas ia amanhecer o dia. A mesa estava farta. Arrematou todos os pernis, frango assado e galinha cheia que apareceram.

A patuscada corria solta no salão lotado. No meio da gandaia eis que surge um casal, ali nunca visto. O homem era alto e espadaúdo. Elegante, estava vestido de branco e também ostentava um chapéu, tipo panamá. Com a destreza daqueles tradicionais dançarinos de gafieira, fazia movimentos rápidos e sensuais com a parceira, uma loura poucos centímetros menores do que ele.

Nunca tinha visto uma mulher como aquela ali na cidade, avaliou Terêncio. Será que ela sabia quem era ele. Teria alguma chance ali?  Não custava nada tentar, pensou. Decidiu então que iria esperar pelo momento certo para assediá-la.

O momento dito certo apareceu quando Terêncio Jejebinha percebeu que o parceiro da estonteante mulher tinha se afastado. Largou a mesa e rapidamente se aproximou da mulher.

Não demorou muito o conquistador estava no fundo do clube no maior amasso com a loura. Nunca tinha beijado tanto na vida. As mãos de ambos se movimentavam habilmente. Jejebinha estava prestes a explodir de tanto tesão, quando a estranha disse para ele esperar um pouquinho que precisaria ir ao banheiro. Deu mais um amasso na mulher antes de deixá-la ir e ficou ali a esperá-la para sequenciar o que havia iniciado.

O inesperado aconteceu. A mulher não voltou. Pela primeira vez desde que passara a frequentar festas  Jejebinha ia amanhecer sem levar ninguém para dormir com ele. Voltou então ao salão de festas. Os amigos já tinham ido embora, os músicos guardavam os instrumentos. Vasculhou a área para ver se encontrava a mulher e nada.

-Aquela bandida me deixou na mão- pensou Jejeba

Terêncio pagou a conta, montou no cavalo e a caminho da sede da fazenda do pai se lembrou que bebeu muito, mas não comeu nada. O estômago ruía. Lembrou que um amigo havia falado de uma comidinha caseira feita com capricho num povoado ali perto. Rapidamente chegou ao local.

O rapaz sentou e enquanto aguardava a chegada do prato, reviu mentalmente os calientes momentos vividos com aquela estranha mulher. Ninguém soube informar quem, e de onde era ela.

- Puta que pariu! Que mulher era aquela. Ia esquadrinhar toda a região para encontrá-la- pensou ele.

Terêncio dava a última colherada quando olhou para uma parede ao lado cheia de fotografias. Uma delas fez com que largasse o prato se levantasse para olhar de mais de perto. Riu por dentro. O coração jovem bateu mais forte. Não tinha dúvida, era ela mesmo. Não precisaria mais percorrer a região para encontrá-la

- Linda, não é- disse a dona do estabelecimento ante a admiração de Terêncio, extasiado.

 Linda? Não, maravilhosa! Quem é?

- Francisca Maria, minha única filha. Ela e o marido morreram dez anos atrás quando voltavam de uma festa lá no clube. Chovia muito. Um corisco caiu e matou os dois na mesma da hora-

Terêncio se engasgou com o copo d’água que sorvia ouvindo aquela mulher. Tudo nele se acelerou, sentiu uma pontada na cabeça e caiu desfalecido.

Quando acordou estava sem fala, a boca torta e sem os movimentos do lado direito do corpo.

Passa atualmente os dias sentado numa cadeira preguiçosa na varanda da fazenda do pai, ainda vivo, olhando na direção do nada.

Às vezes Jejebinha esboça algo parecido com um sorriso. Talvez se lembrando das festas, das mulheres dos peões que costumava seduzir. E, daqueles momentos, atrás do clube, com aquela loira do outro mundo que lhe levara naquela noite à loucura.
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