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28/10/2022 às 23h33min - Atualizada em 28/10/2022 às 23h33min

PIRUÁS

Elson Araújo
O genial Rubem Alves tem uma crônica linda, e muito famosa, chamada “O fogo que nos transforma” onde alude sobre aqueles grãos de milho de pipoca, os chamados piruás, que mesmo submetidos a uma grande temperatura não “explodem”, não participam da grande festa da transformação em pipoca. Não mudam de forma, apesar de passar pela agonia do fogo.

O autor faz uma analogia sobre a transformação, pelo fogo, do milho em pipoca, e as provações da vida; e de como elas podem nos deixar melhores, ou talvez mais fortes.  Divaga ele que “o milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas que, pelo poder do fogo, podemos repentinamente, voltar a ser crianças”.

Para que essa transformação aconteça, na visão do cronista, só pelo poder do fogo. “Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira”, afirma.  Acredito que isso não é uma verdade absoluta. Mas não deixa de ser uma salutar provocação de Rubem Alves em torno de uma situação tão cara ao ser humano que é encarar qualquer processo de mudança.

Bacana como em O fogo que nos transforma o cronista aborda a questão da resistência de algumas pessoas para as mudanças, ás vezes tão necessárias.  Realmente, tem gente que pode ser levada ao fogo do inferno que não muda. Pode até passar uns diinhas, assim de boa, mas depois volta ao que era antes. Resiste ao processo de mudança tal qual os piruás.

Acompanhe leitor, quão bela é a construção poética de Rubem Alves para retratar a magia da mudança pelo elemento fogo:

...Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro, ficando cada vez mais quente, pense que a sua hora chegou: “vou morrer”.

De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Mas subitamente, a transformação acontece: pum! - e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

O fogo da mudança, ou as provações a que se refere o escritor, em menor ou maior grau, são as que vêm de dentro e as que vêm de fora e que podem ou não acabar com a condição humana de piruás. Perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre, é fogo que vem de fora; já o pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos- para o cronista formam o fogo que vem de dentro da gente.

Em parte, é possível concordar com o mestre Rubem Alves. Na verdade, têm mesmo pessoas neste mundo que, infelizmente, nasceram para piruás. Rejeitos, que na opinião dele, vão para o lixo porque não servem para nada. Nesse ponto é que discordo do famoso autor:  servem, sim!  Podem virar comida para as galinhas e, se forem muitos, até para os porcos. Afinal, nem tudo está inteiramente perdido neste mundo de muitas missões, não é mesmo? E nele cada qual tem a sua ou as suas. Uns de virar pipoca, outros de passar a vida inteira como piruás, e se tiverem sorte, como já disse, servir de alimentos para os bichos.

Hoje, conforme minha amiga e leitora Liana Melo, a neurociência já explica essa resistência do ser humano às mudanças, que romanticamente Rubem Alves retrata na sua bela crônica. A barreira estaria ligada aos padrões comportamentais ditados pelo cérebro com a finalidade de economizar os 20% de energia que do nosso corpo ele precisa para funcionar. Os cientistas descobriram que esse poderoso instrumento do nosso sistema nervoso central aprende, não gosta de desperdiçar energia, e por isso faz de tudo para nos manter “numa zona razoável de conforto”.  É que ele compreenderia que mudar é trabalhoso e para nos proteger levanta barreiras.

 O bom nessa história é que também já foi descoberto que é possível enfrentar, derrubar essas barreiras e estabelecer as mudanças que forem necessárias para nossa vida.
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