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02/05/2022 às 22h57min - Atualizada em 02/05/2022 às 22h57min

A verdade não importa – Sabe o que é a pós-verdade?

Ismael Souza
Ismael Souza / [email protected] / instagram: @psiisma
Em seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, o professor de astronomia e ciências espaciais, Carl Sagan conta em meados dos anos 70, quando fazendeiros ou passantes descobriram círculos e pictogramas gravados em campos de trigo pelo interior da Inglaterra, houve um “boom” na mídia, de pseudoespecialistas e todo tipo de atenção que culminou numa superexposição nos veículos de comunicação nos anos 80 e início dos 90. Algumas figuras nas plantações eram tão colossais que chegavam a ultrapassar campos de futebol. Só podia ser sobrenatural. Extraterrestres. Uma fraude? Segundo especialistas, era impossível. Livros foram escritos e até práticas místicas foram criadas. A família real chamou um ex-conselheiro do Ministério da Defesa para averiguar a situação e buscar respostas para o mundo. Em 1991, Doug Bower e Dave Chorley anunciaram que eram eles que faziam as figuras a mais de 15 anos. Os dois ficaram envergonhados e estupefatos com a proporção de coisas absurdas gerada pela pegadinha – que surgiu numa mesa de bar. Os dois deram entrevistas e até demonstraram como faziam as figuras. E bem, ninguém se importou. Uma parte das pessoas simplesmente ignoraram a verdade. Para elas, alienígenas estão tentando se comunicar até agora. Isso é o que se chama de pós-verdade. Acontece quando os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais.

Quando visitamos uma concessionária de carros novos ou usados, estamos imbuídos de um espírito cético: pergunta-se tudo. Ano, quilometragem, estado dos pneus, procedência e etc... É o mesmo mecanismo que a ciência usa. Mas, por qual motivo suspendemos nosso espírito cético? Nossa vontade de acreditar é o mais importante. É um componente primitivo do comportamento humano – acreditar no outro, que lá vem uma fera a nos atacar, que alguém do bando está correndo perigo. Às vezes também desejamos sair de nossas vidas monótonas e nos agarrar as coisas mais absurdas que vimos ou ouvimos, isso também é um componente social, a necessidade de pertencer a um grupo. A verdade indigesta é que algo ou alguém está se aproveitando da nossa necessidade de acreditar. Fake News espalhadas para desacreditar adversários políticos, notícias falsas sobre guerras ou alguns livros de autoajuda sensacionalistas – nosso senso crítico se rebaixa à sedução de nossa vontade de crer.

Os terraplanistas não são completos ignorantes ou pessoas execráveis, mas sim pessoas que por algum motivo fizeram uma cisão da visão científica tradicional, talvez por não se sentirem abraçados pelos meios tradicionais de aprender e fazer ciência. Acreditar que a terra é plana também é uma necessidade de fazer amigos.  Aquelas Fake News de WhatsApp que espalhamos é nossa vontade de fazer parte de algo e até de ajudar. Uma sociedade saudável necessita agir com o mesmo ceticismo ao ir comprar um carro ou uma moto. De Cristo a Buda, Platão e Sartre, todos eles tinham um lema: A verdade liberta. Ela tem que importar.
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Referências: O Mundo Assombrado pelos Demônios (Carl Sagan, Companhia das Letras, 2006), Psicologia e Pós-Verdade: a Emergência da Subjetividade Digital (Pedrinho Guaresch, ABRAPSO, 2019).
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