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25/02/2022 às 21h30min - Atualizada em 25/02/2022 às 21h30min

SOBRE O FIM DO PODER

Elson Araújo
 
Sempre gostei de revisitar leituras. Tenho o hábito de me apegar principalmente àquelas que desafiam a compreensão e despertam o pensamento crítico. Revejo todas as marcações, numa espécie de renovação do diálogo com o autor e seu pensamento. No início desta semana, assim meio que por acaso, reencontrei O Fim do Poder, livro elogiadíssimo de Moisés Naím, ex-ministro do Desenvolvimento da Venezuela, entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990 e que na época do lançamento, não sei se ainda continua, era diretor executivo do Banco Mundial.

Deparei-me com o Fim do Poder enquanto limpava uma gaveta. Olhei para ele, ele olhou para mim, e não demorou muito engatamos uma nova conversa.

Mirei nas marcações deixadas no curso do nosso primeiro encontro. Mesmo sendo de 2015, o livro é um relato daquilo que continua a ocorrer com as estruturas de poder, que na avaliação do autor, passam por um processo de degradação que está mudando o mundo.  Além, diz ele, de passar por um processo de mutação muito mais fundamental e que ainda não foi suficientemente reconhecida e compreendida.

Ao prosseguir com o passeio pelas minhas marcações reli:  

Um exército grande e moderno não garante mais por si só que um país irá alcançar suas metas estratégicas.

Nesta marcação lembrei imediatamente da invasão da Ucrânia pela Rússia, ocorrida na última quinta-feira, 24 de fevereiro, e da luta diplomática da Otan- Organização do Tratado do Atlântico Norte- para conter os ímpetos do Putin, e evitar mais uma guerra do conflagrado continente europeu.

Acredita-se que sedento de poder Putin ambicione, com o apoio da China, reeditar a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas –URSS- Lá atrás, lembre-se, ele já anexou a Criméia.

Com o fim da URSS houve uma fragmentação do poder russo e a diminuição da sua influência no mundo. Com isso, os Estados Unidos e outras nações assumiram essa vanguarda. Putin, na avaliação dos especialistas em política internacional, estaria tentando reassumir a posição global perdida, e que a invasão da Ucrânia seria apenas o início de uma ambição maior.

O livro de Moisés Naím é instigante porque o autor conduz o leitor a refletir sobre as formas como o poder é manejado no mundo corporativo, pelas lideranças religiosas e pelos líderes das nações, como Putin, o exemplo da vez; além de refletir sobre o risco dos excessos e da sua fragmentação, com o surgimento do que ele chama de micropoderes.

Neste 2022, que se abre para uma guerra de possíveis consequências globais, O Fim de Poder é uma leitura importante para que se compreenda um pouco do que acontece hoje com a alma do poder. A iniciada guerra da Rússia contra a Ucrânia é o que me sobreveio com essa nova conversa com o livro do Naím, mas também a obra remete a uma reflexão em torno de outras estruturas de poder, fora do eixo das nações.

O poder está passando daqueles que têm mais força bruta para os que têm mais conhecimentos, dos países do Norte para os do Sul e do ocidente para o oriente, dos velhos gigantes corporativos para as empresas mais jovens e ágeis, dos ditadores aferrados ao poder para o povo que protesta nas praças e nas ruas, dos homens para as mulheres, dos mais velhos para os mais jovens. (M.N)

Mais do que exercer o poder, a sensação que ele oferece é a explicação mais plausível para que homens e corporações se joguem em lutas fraticidas para conquistá-lo. Junte-se a isso, o medo de perdê-lo.  Talvez esteja aí uma das explicações de foro íntimo para que Vladimir Putin tenha, a princípio, articulado sua permanência no comando da Rússia por tempo indeterminado, e agora parta para anexar as nações que se desprenderam da “mamãe Rússia” com o fim da chamada “guerra fria”.  

Moisés Naím não disseca só o poder no ambiente da geopolítica. Ele também cai para o campo das religiões onde acentua que de modo semelhante o arraigado, e histórico, poder das grandes religiões organizadas tem declinado num ritmo incrível. Cita, por exemplo, o avanço dos pentecostais, algo que é visível principalmente, nas palavras do autor, nos países que já foram fortaleza do vaticano.

Outra marcação voltou a chamar minha atenção.  Uma que dizia que nos últimos trinta anos as barreiras que protegem o poder foram se enfraquecendo num ritmo muito rápido sendo mais fácil vencê-las, passar por cima delas ou driblá-las”
“O poder não é mais o que era antes, não é mais privilégio de poucos” (M.N)

Espaço pequeno para falar sobre o inteiro teor de O Fim do Poder, leitura gostosa, sobre um tema complexo, mas que autor consegue deixá-lo perfeitamente palatável e compreensível.   

Fico por aqui, mas deixo o pensamento de um autor que também se debruçou muito sobre o estudo do poder: Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, conhecido como Montesquieu, que na sua imortal obra o Espirito das Leis, escrita no século XVIII, escreveu que todos que detêm o poder tendem a abusar dele, e que só o poder detém o poder, numa alusão aos limites que a este deve ser imposto. Atual, não é?
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