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24/12/2021 às 19h27min - Atualizada em 24/12/2021 às 19h27min

Um continho de final de ano

Elson Araújo
Sentado ali na praça de alimentação de um grande shopping, na “cidade que nunca dorme”, debaixo de uma temperatura de menos dois graus centigrados, João José olhava sem ver a multidão ao seu redor.  
 
Mergulhava num rio de lembranças das coisas da infância e do início da adolescência.  O período era propício para aquele tipo de nostalgia. Já tinha passado o Natal, e agora vinha a virada no ano.
 
Boas lembranças do seu torrão natal, no interior de uma cidade pobre do Maranhão.  Era o terceiro ano longe da sua terra e de tudo que amava e que deixou para trás, desde que ganhara a bolsa de estudos do Governo para se doutorar na terra do Tio Sam. Tinha sido um brilhante aluno de medicina. E sua dedicação numa linha de pesquisa sobre reprodução humana tinha lhe rendido aquela bolsa.
 
Pensava: tinha tudo para não acertar na vida e vir a reproduzir o destino dos pais, pobres lavradores que tinham que plantar numa terra emprestada para poder comer.
 
Agora estava ali numa das maiores cidades do mundo, estudando. A certeza de tirar os pais e os irmãos da miséria estava bem próxima.
 
João José lembrava intensamente dos pais, já na terceira idade, da galinha caipira com cheiro verde, feita na hora, das piabas fritas apanhadas no brejo no fundo do quintal e feita ao azeite de coco babaçu, do jogo de travinha, dos festejos, das missas e, daquele dia que mudou sua vida: um parente distante ao observar seu jeito solto de ser, perguntou se ele não gostaria de ir com ele para a capital para estudar.
 
Ainda quis rejeitar o convite, mas ao observar a situação em que vivia os pais e os irmãos não pensou duas vezes. Tinha certeza de que tinha feito a opção certa. Deixar para trás a família e o grande amor de sua vida. Um amor proibido.  Não pela cor da sua pele negra, mas pelo fosso financeiro que separava a sua família, da família de sua doce e amada Tereza.
 
Os pais dela não aceitavam aquela “cegueira” que dominava os dois, desde a infância. Queriam, diziam ao próprio João José, coisa melhor, para a filha.  
 
“Coisa melhor”. Aquelas palavras soavam como uma faca amolada lhe rasgando o peito, rasgando-lhe  a alma. Já pensava naquele tempo em se casar com Tereza, construir uma vida com ela, mas não tinha falsa ilusão: se continuasse ali, naquela situação extrema de pobreza, jamais receberia as bênçãos para desposa-la, por isso se agarrou de corpo e alma ao convite do tio para estudar na capital. Voltaria depois para buscar a amada e com ela realizar o sonho da infância de constituir uma família.
 
Sete anos depois, ali já na porta do shopping, abraçado ao próprio corpo aquecido por um grosso casaco, João José olhou para o alto, e sentiu os flocos de neve caírem no seu rosto dividindo espaço com uma solitária lágrima que naquele momento parecia queimar-lhe o rosto.
 
Horas antes recebera uma notícia que jamais imaginara: Tereza se casou, já grávida, com o filho de um antigo funcionário da fazenda dos pais dela.
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