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29/10/2021 às 21h50min - Atualizada em 29/10/2021 às 21h50min

Verdade sem dono

Elson Araújo
 
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Sempre que ouço, ou leio em algum lugar, esta sacrossanta palavra nascida do vocabulário celeste de Jesus de Nazaré, fico inquieto, pelo menos por alguns instantes. A inquietação nasce do questionamento sobre a que verdade o Cristo se refere. Precisaria ser teólogo para compreender o sentido teleológico dessa assertiva cristã? Não sei. Como estou muito distante da teologia, não me arriscarei a mergulhar nessa “Verdade Santa”, que conforme o filho de Deus, liberta.

A verdade, tema da coluna de hoje, é a verdade que chamaria de profana, aquela que grande parte das pessoas se apropria, e ao invés de se libertar ficam cada vez mais presas. A verdade manipulada, que escraviza e reproduz escravidão.

Verdade implica dizer ausência de mentira, aquilo que é sincero; definição cada vez mais distante da sua origem, uma vez que na sociedade moderna a verdade é loteada com cada um se apossando da sua. Como diria, mesmo com certo exagero, o escritor José Saramago “o tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias”

É uma característica natural de nós, como humanos, buscar permanentemente a verdade, e assim conseguir, quando houver interesse, distinguir o verdadeiro do falso. A questão é o sentimento mórbido da posse da verdade, que é quando alguém define a sua como a mais absoluta de todas. É quando surgem a intolerância, o ódio, a morte, e o aparecimento da mentira para, irônica e falsamente, se preservar uma verdade, o poder, ou outro mecanismo de controle qualquer.

Nesse universo da verdade profana “a verdade verdadeira” que interessa é a minha, as outras nada valem, não têm valor. A minha é Deus, a dos outros é o diabo. A minha constrói, a dos outros destrói.

O que vemos hoje no tecido social é uma luta renhida pela hegemonia das verdades proclamadas todos os dias nos quatro cantos do mundo pelos mais diversos meios; seja pelos múltiplos, e ágeis veículos de comunicação, seja pelas igrejas, partidos políticos, associações, sociedades, tribos, castas etc.

Esta luta pelo controle das verdades que tenta se impor só justificaria pela mantença ou a busca pelo poder, e nesse caso, para os que se constituem “donos da verdade”, valeria a máxima maquiavélica de que os fins justificariam os meios.

A consequência dessas batalhas são os conflitos, que ao meu sentir, não são no todo negativos, uma vez que pode haver convergências entre eles e nesse processo convergente o aparecimento de outras verdades que possam contribuir para a harmonia social.

O conflito entre as verdades profanas poderia render grandes frutos se cada um, mesmo discordando, respeitasse as verdades entronizadas nos outros, até porque podemos até nos apossar das ditas, mas jamais seremos proprietários delas. A verdade, seja ela qual for, não tem dono. Fiquemos atentos, portanto, a todas as verdades nos impostas todos os dias.
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