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19/06/2021 às 00h00min - Atualizada em 19/06/2021 às 00h00min

PROCÓPIO PALITÔ

(Séries: personagens-06 – vida real)

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.


Corre o final da década de 50. Estamos nos confins da Baixada do Maranhão, onde o vento fazia a curva. Hoje não faz mais. Os tempos mudaram: Hoje tem energia elétrica, tem uma estradinha de chão e o povo já conhece dinheiro, graças às aposentadorias rurais e outras que tais. Naquelas terras era comum que uma pessoa pedisse um lugar de casa e o  dono das terras o cedesse. Assim foi Doca Barros que cedeu a Zé Bicudo e a Cristovinha. Assim foi Mundica Teixeira que cedeu a Ozebinha, a Migué de Luzia, a João Guegué;  assim foi Zé de Olegária que cedeu a Felício Campos e seus filhos; assim foi Felipão que cedeu a Teotônio. E tantos outros.

MDC era o dono daquela “sesmaria” em grande quantidade de terras e, afora os que ficaram cercados a contragosto, quando adquiriu a possessão do Estado, não era lá de ceder um palmo de chão para seu ninguém mas... cedeu, sim, um lugar de casa a Procópio Palitô. Imagina-se que o tenha sido pela mão de obra que Procópio dispunha - uns quatro filhos em idade de trabalho mais marido e mulher na composição familiar.

Seu Procópio era um recanteado, afastadiço do social, um tipo calado – como bem assim seus filhos que o seguiam e moravam juntos ao pai. Procópio era tão retrancado que a sua casa ficava distante do caminho, com acesso por um breve descampado em curva, de modo que a sua casa não era vista por quem passava “na estrada”, que era um caminho estreito.

Seu Procópio era sobretudo um homem simples e pobre e sofrido. Usava insistente, um surrado paletó que por certo alguém lhe deu e daí o apelido: PROCÓPIO PALITÔ. O velho (mas não tão velho assim) Palitô, também nas noites, ao silêncio do soturno de sua casa, afastada da estrada, tocava também a sua MARIMBA que vem a ser o BERIMBAU, um improvisado instrumento das rodas de capoeira e das reminiscências dos idos da escravidão. Imagino então que ao espancar (com uma pequena vareta) a sua MARIMBA, Palitô, quem sabe, afogava suas lembranças das terras e da vida da “beira do campo”, de onde veio. Carregava também por isso, o apelido de PROCÓPIO MARIMBA.

Ao mudar-se para as terras de MDC, Procópio Marimba que ali chegou assim... da noite para o dia, de uma hora para outra, trouxe consigo além das poucas trabalhas de cozinha (caldeirão, pratos, colheres, papeiro, um pote e uma cabaça, talvez, mais suas poucas roupas, sofridas ferramentas de trabalho, na companhia de mulher e quatro filhos, de resto a coragem e cara. E só! E a sina  da sobrevivência...

A vida acabou por mostrar que, além da MARIMBA com que Procópio dava-se ao deleite, também gostava de um CAFÉ. O café era o seu deleite, o seu descanso, o seu prazer, quase um sopro de vida. E ele que morava a uns dois quilômetros de MDC, era comum, naquelas manhãs, Seu Procópio em caminhadas a pé ou a mando por um filho, adquirir na pequena “barraca” (pequeno comércio) de MDC, um mercado de café mais açúcar. Pobre Procópio: uma quarta de café e um quarto de quilo de açúcar – um quase nada para seis pessoas. Dois dias depois e assim por diante outra caminhada para  comprar uma quarta de café e um quarto de quilo de açúcar – aquele quase nada ou mesmo nada... que Procópio deveria pagar em jornadas/dias de serviço.

Os filhos de Procópio eram tão recanteados e afastadiços quanto o pai. A família ou por seus membros não eram vistos em arraiais de festas de santos ou terreiros de baile de dança, nem mesmo em rezas, vias-sacras ou ladainhas. Nada, nada. Joana era um jovem “manquitola”, como diziam, mas ainda assim era o objeto de desejo de uns tantos por ali., quanto eu. Só que Joana vivia à beira de casa e não andava arreganhando os dentes para seu ninguém. João um jovem rapaz morreu cedo e Rosalino (seu Rosa), era um homem extremamente trabalhador e respeitoso. A  todos – fosse quem fosse tratava indefectível SIM SENHOR, SIM SENHORA. Era um pouco mais aberto, mas ainda assim, calado. E tinha por tudo isso a admiração e o respeito de todos por ali.

Velho Palitô e sua tribo, moraram por uns vinte anos nas terras de MDC. Até que um dia... até que um dia, arrumaram as trouxas, puseram tudo, tudo, tudo sobre um cavalo de cangalha com a matriarca – D. Eduarda – montada ao meio e rumaram pras bandas das terra de Penalva, para nunca mais voltar, nem dar notícias. Rosalino arrumou mulher e ficou por ali e de tempos em tempos visitava os familiares. Era transparente a satisfação que carregava: o pequeno lote de chão, tipo 12m x 30m., dentro do mato, na beira da estradinha, em que construiu sua casa, foi adquirido e pago àquele outro –  dono das terras. E, portanto, não morava de favor em terra de ninguém! Uma conquista e tanta!!!

Finalmente uma reflexão do quanto visto a olhos nus: e qual era o tudo-tudo que Palitô levou naquela viagem quando de sua mudança? As tralhas de cozinha e nesse meio o papeiro de fazer o café, as sofridas ferramentas de trabalho, a sua marimba, as também sofridas e poucas roupas. Só isso e mais nada. Mais nada? Levaram, o que trouxeram quando vieram da beira do campo e puseram-se a morar nas terras de MDC: A CORAGEM E A CARA... ...

 * Viegas questiona o social
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