Ene’s. A espinha e a solidariedade
N é um personagem e tanto. Verdadeira personalidade. Desses marcantes, entre os quais a gente se apega e não esquece. Grande amizade. Vale a existência.
N é outro. Bruto e solidário. Profissional de mão cheia. Na sua especialidade, sem igual na Imperosa. Seu diploma ilustraria e honraria qualquer hospital Brasil afora.
N, o primeiro, é de família tradicional, desses que o DNA atravessa de pai para filho varando gerações. Contador de causos e observador, gosta de futebol, não torce para qualquer time. É seletista, tanto que é um orgulhoso torcedor do Santos como se Pelé nele, ainda jogasse. Não é fanático, mas carrega no coração uma bandeira e faz do espaço que lhe permite enxergar o Tocantins, sua Vila Belmiro.
N, o segundo, aqui chegou como tantos, melhor que muitos, porém, chegou doutor. Um diferencial. Também seletista, se orgulha da Estrela Solitária e verdadeira lira, no lugar das récitas poéticas e das cordas, seu dedo médio está sempre à disposição dos amigos, que não são muitos porque intimidade com ele, é privilégio de poucos, bem como dos pacientes, esses, sim, uma vasta gama. Todos, amigos e clientela, satisfeitos. Aliás, satisfeitíssimos, diga-se de passagem. O doutor (perdoem, mais que a redundância) é doutor.
Pois bem! Dia desses, N, o primeiro, não confundam, apesar de usar óculos, começou a se queixar do olho. Coça daqui, coça dali, bicho bom é coceira, quanto mais coça, mais dá vontade. No entanto, N, não é masoquista e começou a reclamar de dor e percebeu a inflamação. Contorções à parte, mesmo com a utilização de um espelho não conseguia ver. Incomodado, celular à mão depois de muitos xingamentos à operadora que solidárias entre si, na hora da necessidade, nenhuma delas funciona. Ufa!, conseguiu. Ligou para N, o segundo.
- Vem aqui!
Como se vê, N, o doutor é quase monossilábico. Ouvir duas palavras, na hora de um aperto desses, mais que um luxo, foi um bálsamo.
N, o primeiro, foi. Chegando perto, olhou enviesado para o Banco do Brasil que além de servir para depositar o que não era o caso, serve também para retirar, o que poderia ser o caso. Incomodado com o olho e com o coça aqui, coça acolá, resmungou. N que já andava meio de lado, atravessou a calçada e entrou.
- Deita aí.
Como se vê, N, o doutor é quase monossilábico. Duas palavras, em meio o coça daqui e o coça dali, serviu de acolhida a apontar a solução do problema.
E dedo médio à parte, tome pinça. Pinça daqui, pinça, dali…
A certeza de N, o primeiro, que o homem entre outras qualidades é de uma convicção de fazer tremer vara de goiaba, era de um incômodo tipo assim, uma amêndoa que tentou escapulir e ficou pelo meio do caminho. Um liquidozinho aqui, uma gaze ali, enfim, clareou-se o olho e sua área territorial. Orgulhosamente, para alívio geral, a pinça foi levantada e exibida, agarrada a ela, como um apêndice, uma espinha.
- Filho de pescador é realmente um privilegiado. Fosse filho de caçador por exemplo, a espinha como acontece com tantos, pararia na garganta. Nesse caso, parou no olho.
N, já sem o coça daqui, coça dali, agradecido:
- N é F… o bicho é bruto, mas é bom. E esta solidariedade aos amigos? No dia de nossa santa, Teresa D’Ávila, vou fazer uma novena pra ele. Que Deus sempre lhe proteja!