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08/05/2021 às 00h00min - Atualizada em 08/05/2021 às 00h00min

CPI da Covid, Guedes e Pazuello

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
A Constituição Federal, de 1988 – e é preciso que se diga: ainda vigente -, na Seção VII, Capítulo VII, trata das comissões parlamentares, de caráter permanente ou temporário. No parágrafo 3º do art. 58, especificamente, se refere às comissões parlamentares de inquérito, as CPIs, que terão poderes investigativos próprios de autoridade judicial, além de outros previstos em regimento. Com respeito a esses fins investigativos das CPIs, o Ministro Alexandre de Moraes, na sua obra Direito Constitucional, recentemente atualizada, faz estes pedagógicos esclarecimentos: “O ordenamento constitucional brasileiro consagrou novamente, dentro das funções fiscalizatórias do Poder Legislativo, as Comissões Parlamentares de Inquérito, seguindo uma tradição inglesa que remonta ao século XIV, quando, durante os reinados de Eduardo II e Eduardo III (1327 – 1377), permitiu-se ao parlamento a possibilidade de controle da gestão da coisa pública realizada pelo soberano. O art. 58, § 3º, da Constituição Federal previu que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, porém, foi extremamente lacônico e impreciso, uma vez que no ordenamento jurídico brasileiro inexiste, em regra, o juiz-investigador, tarefa essa deixada institucionalmente a cargo das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público, em face da adoção do processo acusatório, onde a separação entre o juiz e o órgão acusador é extremamente rígida.” E prossegue o eminente ministro da Corte Suprema: “Assim, em face da imprecisão legislativa há a necessidade de definição de dois pontos básicos na atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito: amplitude de seu campo de atuação e limites de seu poder investigatório. Em relação à amplitude de seu campo de atuação, inicialmente deve ser salientado que o poder do Congresso de realizar investigações não é ilimitado, devendo concentrar-se em fatos específicos, definidos e relacionados ao Poder Público, pois como salientado por Francisco Campos, ‘o poder de investigar não é genérico ou indefinido, mas eminentemente específico, ou há de ter um conteúdo concreto, suscetível de ser antecipadamente avaliado na sua extensão, compreensão e alcance pelas pessoas convocadas a colaborar com as comissões de inquérito’.” (Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional (pp. 949-950). Atlas. Edição do Kindle)

Nessas manifestações doutrinárias, têm-se alguns traços definidores de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que é instituída para investigar, com poderes próprios de autoridade judicial, fatos determinados, mas com poder de apurar fatos conexos ao principal, além de outros que estejam submergidos e surgem durante o procedimento investigatório.

Temos uma CPI da Covid, que está incomodando integrantes do Poder Executivo. Ao lado dessa comissão parlamentar, o Brasil é o país, em que o seu presidente, claramente negacionista, em todos os sentidos, ao menosprezar a fatalidade do vírus e os efeitos profiláticos da vacina, inclusive fazendo troça e recomendando tratamento alternativo inútil, que já alcançou a marca de mais de quatrocentos mil óbitos, além de um índice baixíssimo de vacinação e mais problemas de reposição de estoque.

A CPI da Covid vai apurar de quem é a responsabilidade desse genocídio? Se tudo isso é um efeito catastrófico de uma política pública genocida? Ou se tudo é natural, uma vez que morrer e adoecer são fatos absolutamente normais. Nascemos para morrer. Se assim for, não há necessidade de médicos, remédios, laboratórios ou qualquer gasto com estudo de combater os males que nos matam. Recorrendo ao grande vate Camões: então cesse tudo o que a antiga Musa canta, que outro valor mais alto se levanta. E o que é esse outro valor mais alto? A economia. O Estado não pode gastar com problemas de doença desses pobres, filhos de porteiro, que estão tendo acesso ao estudo em universidade. Isto é, na visão do Sr. Guedes, o comandante do dinheiro público (e já não tão público assim), um crime de lesa-pátria-amada. Ainda disse mais o Sr. Guedes, arrotando o seu desprezo canino: - “O Estado brasileiro é um Estado quebrado. Quebrou. E ele quebrou no exato momento em que o avanço da Medicina… Não falo nem da pandemia, falo do direto à vida. Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Todo mundo vai procurar o serviço público. E não há capacidade do Estado.” Seu Guedes, portanto, está de pleno acordo com os efeitos nefastos da pandemia. Ora, bolas, pra que gastar o sagrado dinheiro do Estado para comprar vacina e dar assistência a esse pessoal que tem a hilariante mania de querer viver 100 ou 200 anos. Que respondam os familiares dos mortos.

Se o Seu Guedes vir a ser convocado para CPI, com certeza, ou irá, para enrolar, ou, o que pior e vergonhoso, encontrará uma justificativa de que esteve em contato com infectados e se encontra impossibilitado de ir, assim contrariando a sua teoria de morrer mais cedo, em prol do bom gerenciamento do dinheiro do Estado. O ex-ministro Eduardo Pazuello não pensou duas vezes. Engendrou justamente essa desculpa para driblar a CPI. Depois, pisou na bola. Soubemos, pelos noticiários das mídias, que estava num hotel livre, leve e solto, e sem máscara, recebendo um outro ministro, quem sabe para montar uma estratégia, uma vez que um dos seus títulos que enriquecia o seu currículo é que é um grande e fenomenal estrategista. Mas a sua justificativa para fugir da CPI não pareceu aos olhos de tantos uma boa estratégia, sobretudo para um general habituado às grandes batalhas em defesa da pátria amada.

* Membro da AML e AIL
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