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01/05/2021 às 00h00min - Atualizada em 01/05/2021 às 00h00min

JOANA DA MANGUEIRA

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
(série: personagens – vida real - II)

Joana da Mangueira ou Joana do Mangá. O nome soava forte, provocante, quase instintivo e insinuante, até: JOANA DA MANGUEIRA! Enfim, um personagem em carne e osso. Joana veio, acho, que das bandas da beira do campo – que era como se dizia da origem dos estranhos que ali chegavam: (das bandas da beira do campo). E foi morar nas beiradas daquele mangal com uma figura chamada MANÉ DE SULI (Sueli). Morreu Suli, morreu Mané e Joana ficou ali, sozinha, morando à beira daquele mangal. Daí o codinome: JOANA DA MANGUEIRA ou JOANA DO MANGÁ. Aliás que Suli e Mané de Suli e a moradia ali nas beiras daquele mangal,  poderão render um bom folhetim. Mas... isso fica para outra vez. Talvez...

Joana ficou “viúva” do companheiro Mané, não tinha filho(s), seus parentes moravam distantes dali, também não tinha por ali mais ninguém, mas ainda assim não se deu por perdida. Afinal Joana era uma mulher de ancas bem-postas, vistosas, tinha um rosto mais ou menos; mais ou menos também na idade. Era uma mulher firme, “trabalhadeira” e falastrona. Com esses atributos, por aquelas bandas, uma mulher assim não se aperreia. Ora, se não...

Joana era uma roceira de primeira. Com ela a palha voava, o mato voava, o serviço voava. Falasse que Joana do Mangá estava no eito, neguinho já se interessava. Mas tinha que ficar esperto, ligeiro – do contrário ficava para trás no eito. Joana era um pé ligeiro e tanto. Joana morava sozinha, na beira daquele mangal. Era uma mulher dada com todo o mundo dizia. Enfim,  uma mulher determinada, firme. Cumpria seus tratos. Tinha uma prosa nos lábios, uma falácia espontânea. Dava-se a quem queria e não se dava a quem não queria. Tinha vida independente, pode-se dizer. E não era de ficar se “enxodozando” com um e com outro.

Aliás que aquele mangal era uma notória interrogação, tal o soturno e um tanto deserto que era aquilo. Como até nos dias de hoje. Diziam que ali por perto havia sido terreiro de escravos mas não há (nem houve) notícias de Casa Grande, nem qualquer vestígio de escravaria. Justo lá, o caminho apresenta uma bifurcação, tipo “Y”, mas as pessoas diziam a um só tom que ali era uma “encruzilhada”. Era uma área sombria, solitária. Diziam que lá, ZÉ BICUDO, nas noites, virava “labisonho”. Uma versão que rolava pela boca de todos – “de mamando a caducando”.

Agora, essa eu vi e ouvi: Era uma “panha de arroz” na roça de meu pai. Estávamos em uns cinco e Joana pelo meio, todos no eito. A certa altura, Joana de livre verbo e plena iniciativa conta um fato que aqui reportamos: “Era um finzinho de tarde e ZÉ BICUDO, passou por ali, com gestos de quem queria assediar... fazer xodó, se aproximar. Joana não gostou da iniciativa e sentiu-se ofendida, até, pois nunca havia dado trela para aquele asqueroso sujeito. E, no duro, soltou um relaxo: “Olá seu Zé, tu não vai virar bicho por aí...”. Não era mesmo doida, a Joana? Cutucando o diabo com vara curta?!

Relatou, sem perder o pique do serviço que, nesse mesmo dia, pouco depois, ao anoitecer, o que viu foi uma grande ventania, que só faltava derrubar a mangueira e seus galhos, à frente de sua casa. Era terrível!!! Simultaneamente, um bicho “fuçando” as paredes de sua pequena casa de palha, querendo derrubar a casa. E Joana gritava a todos os pulmões: EU SEI QUE É TU ZÉ BICUDO. EU SEI QUE É TU ZÉ BICUDO. Em seguida de posse de um “patacho” (cutelo, ferramenta de corte e serviço) ela gritava: SE TU ENTRAR EU TE DESGRAÇO, EU TE CORTO TODINHO, EU TE MATO. E batia com o patacho nos esteios para amedrontar o bicho, fazer que ele soubesse que ela, Joana, estava armada. Era a sua frente de luta!

Joana estava transtornada, exasperada, quando do ataque. E, no eito do serviço dizia com todas as letras: “Se ele entrasse, nós dois se desgraçava. Era vida ou morte”! Relata Joana que tanto gritou, até que cachorros da vizinhança se aproximaram aos latidos. Os vizinhos vieram pelos latidos dos cachorros, disse. Até que enfim o bicho foi embora e Joana da Mangueira, já no dia seguinte, mudou-se dali para sempre. E eu, aos 15 anos que saboreei essa versão, num intervalo de férias escolares, faz 60 anos, nunca esqueci da estória.
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Recentemente, tomei conhecimento de que familiares de Joana da Mangueira  ainda existem e moram  distante dali, no lugar “Santa Olaia”, depois de Curvão, depois de Belas Águas, depois de Nambuzinho. E então fui bater lá. Encontrei uma senhora de alquebrada idade, falante como Joana, era sua irmã. Ela lembrou da irmã. Conversamos sobre a minha personagem e abordei-lhe sobre o fato, mas ela não deu seguimento à conversa. Enquanto isso uma sobrinha, caladona, servia-nos um improvisado Qui-Suco com bolachas. Que eu aceitando, agradeci.

 * Viegas questiona o social
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