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13/03/2021 às 00h00min - Atualizada em 13/03/2021 às 00h00min

Entenda a decisão do Ministro Fachin

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]


Os advogados do ex-presidente Lula impetraram habeas corpus, que se trata de uma ação constitucional, cujo fim específico é proteger a liberdade – cerceada ou ameaçada – de ir e vir de quem esteja sofrendo ou na possibilidade de sofrer esse constrangimento. É o habeas corpus uma garantia individual, prevista, como um dos direitos fundamentais, na Constituição Federal, que, presentes os elementos que atestem o constrangimento, possibilita a intervenção do estado-juiz, no exercício de sua função jurisdicional de poder, a conceder a ordem preventiva ou liberatória no sentido de fazer cessar o ato atentatório contra a liberdade. Fato normal num Estado democrático e de direito, desde 1.215, nos primórdios das lutas libertárias da burguesia inglesa.

O caso do ex-presidente Lula vem sendo discutido em vários foros de debates, com repercussão nacional e internacional. Os seus defensores têm devotado um trabalho intenso, nem sempre alcançando o êxito desejado, isso nas várias esferas jurisdicionais brasileiras, embora venha recebendo apoio de instituições internacionais, que atuam no âmbito dos direitos humanos.

Pois bem. Ao julgar um dos habeas corpus que se encontrava em tramitação em nossa Corte Suprema de Justiça, o Ministro Edson Luiz Fachin, em decisão monocrática, portanto pessoal, deferiu a ordem em proteção à garantia da liberdade individual do ex-presidente Lula, por este ter sido processado criminalmente e sentenciado numa Vara (a 13ª) Criminal da Justiça Federal, cuja sede fica em Curitiba, PR, por considerá-la incompetente para atuar jurisdicionalmente nos fatos imputados pelo órgão acusador, o Ministério Público Federal, os quais não estão provadamente vinculados às questões que envolvem a Lava-jato, operação que tem como vítima a Petrobrás.

Ao conceder a ordem pleiteada pelos patronos do ex-presidente Lula, o Ministro Fachin não declarou a nulidade, no seu todo, dos processos de que fora o impetrante acusado e sentenciado, mas apenas os atos decisórios, inclusive o recebimento da denúncia, a qual se constitui numa peça de acusação introdutória, ajuizada pelo órgão ministerial e acompanhada dos indispensáveis elementos probatórios que servem de sustentação à pretensão condenatória, objetivando o cerceamento da liberdade do denunciado.

Após ampla e circunstanciada análise dos fundamentos fáticos e jurídicos do pleito do impetrante e paciente (Lula), o Ministro Fachin concedeu a ordem nos termos que seguem: “Ante o exposto, com undamento no art. 192, caput, do RISTF e noart. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção

Judiciária do Distrito Federal. Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios. Considerada a extensão das nulidades ora reconhecidas, com fundamento no art. 21, IX, do RISTF, declaro a perda do objeto das pretensões deduzidas nos habeas corpus 164.493, 165.973, 190.943, 192.045, 193.433, 198.041, 178.596, 184.496, 174.988, 180.985, bem como nas Reclamações 43.806, 45.948, 43.969 e 45.325.”

Portanto, vê-se que a decisão do Ministro Fachin concedeu a ordem de habeas corpus e declarou ser incompetente a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, para o processamento e julgamento das ações penais que enumera e que culminaram em sentenças condenatórias da lavra do juiz Sergio Moro, que era, antes de ser Ministro da Justiça do governo eleito Jair Bolsonaro, o magistrado que atuava jurisdicionalmente naquela Vara, recorrendo a todos os meios persecutórios para alcançar as suas finalidades políticas e do grupo a que, sub-repticiamente, servia com denodo e abnegação. Ainda assim, ao conceder o habeas corpus, o Ministro Fachin não examinou a questão da suspeição, até porque não era objeto do fundamento do pedido. Ateve-se apenas em declarar a incompetência e as suas conseqüências processuais, decorrentes do ato decisório. O habeas corpus referente à suspeição do juiz Morto ainda está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao discorrer sobre a conseqüência dessa decisão, o sempre irreverente jurista Lenio Luiz Streck, em texto publicado na Conjur, afirma: “Consequência (se o STF mantiver a decisão de Fachin): os processos podem começar de novo; o MPF do DF deve examinar para ver se oferece denúncia em Brasília; o juiz tem de receber a denúncia; o juiz pode não querer aproveitar qualquer prova advinda de Curitiba (aliás, ele mesmo já tem precedente anulando provas decorrentes de juiz incompetente!).” E diz mais Streck: “De todo modo, na hipótese de o juiz aproveitar alguma coisa de Curitiba que tenha cheiro de Moro, a defesa pode fazer impugnações. Qual o fundamento? Suspeição e parcialidade. Com base em tudo que já sabemos.” Por último, com um elevado grau de razão, levanta esse jurista gaúcho esta dúvida, que é de muitos que têm pensado no assunto: “Ainda: pode-se ler a decisão como manobra para não reconhecer a suspeição de Moro e para parecer que o único erro cometido por Moro foi estar em Curitiba. É a tese do sacrifício do cabrito; Ademais, uma questão para pensar: como considerar válida alguma prova produzida por um juiz incompetente?” Aí, neste ponto, me parece que está um dos aspectos nebulosos, já que o Ministro Fachin, em que pese a sua honradez como magistrado, primeiramente declarou na sua decisão a perda do objeto de outras pretensões deduzidas em habeas corpus, entre as quais a que se refere à suspeição, por esta atingir a pessoa de Moro e fulminar as provas produzidas em conluio com o órgão acusador; em segundo lugar, argumentou para que o habeas corpus que aduz a suspeição não fosse submetido a julgamento. E, mais uma vez, foi voto vencido, estando o habeas corpus sendo julgado. Ainda bem. Justifico esse “ainda bem” numa frase simples: juiz tem que ser juiz. Não pode sobrelevar seus interesses pessoais, políticos e econômicos em quaisquer circunstâncias. Têm que viver dos seus subsídios, a não ser que tenha outras atividades paralelas lucrativas, não vedadas por lei. Mas a atividade judicante deve ser fundamento da sua vida. De outro modo, não é magistrado. É um dos mais perigosos criminosos, por ter em suas mãos (que não devem ser sujas) o poder de julgar.
 
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