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20/05/2023 às 00h00min - Atualizada em 20/05/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

O CADAFALSO​ 

Naquele início da década de **** por aqui, havia um juiz condenador que passava o facão cego, a guilhotina, O CADAFALSO no pescoço de quantos no crime – maior ou menor – tivesse a desdita de passar por suas mãos. Os julgamentos pelo Tribunal do Júri, um curral de condenações, se sucediam. Sempre com resultados desastrosos para os acusados. Era terrível!  E esse era o maldito jogo de cartas marcadas daquele tempo sombrio, de escuridão. Eu, audacioso e vocacionado pelo Tribunal do Júri, tinha a veleidade de imaginar que, se participasse de um julgamento pelo Júri Popular, a minha vida e aquela imagem de começo de carreira profissional, poderiam alavancar, mudar.

Então, reiteradamente, pedia a um advogado (???), que me desse a oportunidade de consigo participar de um Júri, já que ele, na rotina, realizava julgamentos quase constantes. Em resposta, ele “empurrava com a barriga”. Também NUNCA me convidou ou sequer me deu a oportunidade a que tanto lhe pedi. Enquanto isso, o mundo continuava dando voltas. E eu... por obrigação... vendo a banda passar.

Certa feita quando eu já ensaiava subir os primeiros e íngremes degraus da vida profissional, convidei-lhe a participar de um júri comigo. Ele não se fez de rogado. E então eu conhecia o processo, explorava o processo desde o seu limiar e, na defesa, era o seu titular. Um dia antes, juntos, sondamos o local do julgamento. Ele, meu convidado, no dia do Júri, chegou primeiro ao local. Aboletou-se no melhor e mais expressivo lugar da “Tribuna da Defesa”, enquanto eu fiquei relegado a uma inexpressiva terceira via, ignaro e quase despercebido naquela “bancada”. Pouco satisfeito com o limbo em que me impôs, ele falou, falou, falou e quase só ele falou. A mim, então restaram as sobras, quais os ossos ao chacal no banquete com o Leão (como da fábula de Malba Tahan).

O resultado do julgamento pelo Júri, eu juro que não me lembro. Mas que dali eu tive a obrigação de aprender uma boa lição. Isso eu posso confessar. É que o MEU LUGAR, sou eu quem deve ocupar. E que, se o meu lugar, outro vier e ocupar, é indicativo de que o meu lugar eu não soube ou não tive pulso para ocupar. Sim, porque... a humildade, até a humildade tem limite/s...

 

PÃO QUENTE...

Deixei a casa paterna aos sete anos de idade, com a minha mãe chorando pelos cantos, numa madrugada fria, montado à garupa do cavalo de meu pai. Sentia-me qual um escravo ao porão do navio negreiro: acuado, amuado, amargurado, infeliz e perdido. Uma coisa, porém, dispersava em mim na negra nuvem de incertezas, que de mim tomava conta: É que eu seguia rumo à escolaridade, na Vila.

Na Vila, logo tornei-me “menino de mandado de casa alheia”. Um período de cinco anos que guardo em minha vida, qual um diploma, um troféu, numa estante. Tais os louros e vitórias que colhi dessa dura experiência. Era uma casa de carcamanos. Osso duro de roer. A escolaridade era uma virtude as outras virtudes eram: O TRABALHO, a obediência, a honestidade. A ordem, o respeito. A isso se chama EDUCAÇÃO!

Pouco antes de amanhecer o dia, todos os dias, o HOMEM DO PÃO, o Ribamar, gritava: “olha o pão”. E deixava os pães à estratégia de uma janela. Eu não tinha acesso ao pão, mas... mas... contentava-me com a metade de um pão que levava para a Escola, a título de “merenda”. Aqueles pães, ainda na janela me fascinavam. Eram PÃES QUENTES, recém-saídos do forno, que, para mim, cheiravam alucinadamente. E então me prometi a mim mesmo que um dia, quando crescesse, queria ter dinheiro para comprar pães e comer até me fartar. Foi um sonho que, inarredável, carreguei durante vários anos!

O tempo passou, também passei a ter dinheiro para comprar pães, mas esse ideal se dissipou em mim. E ainda que eu tenha muito RESPEITO PELO PÃO (porque o PÃO é DOM e GRAÇA DE DEUS), vejo que o pão (de trigo), contudo, agora, não me desperta os velhos anseios de outrora. Ocorre entanto que, recentemente, por aqui, conheci a PADOCA, uma pequena e simpática e saneada panificadora que fica à Rua Santa Tereza, imediações de uma pracinha ali existente.

E vejo então, que, diante do PÃO QUENTE que sempre tem por lá, o que me faz volta e meia estar por lá, eis que rejuvenescem em mim, lembranças, imaginários e conjecturas daquele meu velho tempo em que o grande sonho da minha vida era ter dinheiro para comprar pães. E assim o PÃO QUENTE, passou, pelas vias transversais, neste tempo de Deus em minha vida, a ser uma rotina das minhas manhãs e tardes, à sua procura.  Ou... como diz a canção: “A VIDA É UM ETERNO VOLTAR”.

* Viegas é advogado. Interpreta e questiona o social
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