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13/05/2023 às 00h00min - Atualizada em 13/05/2023 às 00h00min

...DO MATO PRA CASA

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
Havia na minha terra, naquele velho tempo, um ditério que era uma odiosa exclamação/reclamação: “Tem coisa que vem do mato pra casa!” A frase já era um esconjuro:  Cruz credo! Credo em cruz! Era como se dissesse: "Tem diabo que vem do inferno, direto pra casa da gente”. E quando a pessoa estava debaixo de uma situação assim, era um indicativo de que o bicho estava pegando.

Estou um dia em nosso escritório quando chega um homem com uma pequena causa trabalhista. Disse que morava no Itinga (na divisa do Maranhão com o Pará); disse que trabalhou quatro ou cinco meses para um fazendeiro em terras de Açailândia; disse que Morava no lugar “Macaco Assado”, de João Lisboa-Ma., e queria porque queria os meus serviços. Sugeri então que melhor seria procurar um advogado em Açailândia, mas, ele replicou que não confiava nos advogados de Açailândia. “Todos vendidos”, disse. Falei dos seus equívocos e recusei a prestação profissional.

Mas o homem insistia. E eu "já com um pé atrás”, diante daquele sujeito estranho que nem olhava na minha cara e que eu não conseguia olhar na cara dele, acabei a contragosto aceitando a sua causa, pois ele disse que me conhecia e me ouvia pelo rádio, e daí a preferência pelos meus serviços. Foi aí que eu me dobrei. E foi aí que eu errei.

Então propus-lhe a RECLAMATÓRIA TRABALHISTA na Comarca de Açailândia. O homem nunca voltou ao escritório, nem apresentou testemunhas, nem trouxe documentos.  Como sabia supostamente onde morava, chamei-lhe pelo rádio e ele nunca compareceu tampouco à audiência de Instrução e Julgamento no Fórum Trabalhista. E eu passando vergonha!  Ainda assim, o Juízo até que poderia ter arquivado o processo, mas, aos trancos e barrancos, acabou por conceder-lhe UM SALÁRIO-MÍNIMO, de indenização, até porque a parte reclamada admitiu o pagamento.

O tal sujeito nunca mais voltou ao nosso escritório, até hoje!  Sequer para receber o seu alvará de pagamento.  Mas é como diziam na minha terra: "Tem coisa que vem do mato pra casa” (da gente). Era como se dissessem: “Tem diabo que vem do inferno direto para a casa da gente”. Ave Maria cruz-credo! Credo em cruz Ave Maria! Esconjuravam os sertanejos.

Mais recentemente outro “do mato pra casa”: Então me aparece um sujeito, alega que aposentei a sua sogra e queria porque queria também que eu lhe aposentasse. Achei tudo estranho, disse-lhe que não trabalho com aposentadoria/s mas ele insistiu: Queria porque queria os meus serviços. Eu recusei, com ele em "horas esquecidas”, ele pedindo, pedindo e eu recusando sempre. E eu vendo claramente que aquilo era um troço que estava vindo do mato para (a minha) casa.

Por último o tal sujeito passou a alegar que eu teria recebido seus documentos e ele os queria de volta. -  Eu? Eu? Nunca recebi nenhum papel seu. Criou-se um impasse, um ostensivo aborrecimento. Disse-lhe que poderia procurar delegados, juízes, Ministério Público, OAB, Defensoria Pública e o raio que o parta. E eu, uma vez intimado, compareceria com as minhas razões. E o sujeito desapareceu. Foram-se uns seis meses. Agora ele está de volta: Quer porque quer que eu o aposente. Chega ao meu portão, sempre do lado de fora (não lhe permito a entrada) e não quer sair mais. Lembra uma alma penada que não “desencarnou” e não se conforma que o corpo morreu.

E eu, chateado, exclamando e protestando: “Tem coisa que vem do mato pra casa”. Quer dizer: “Tem diabo que vem do inferno direto pra casa da gente”. Ave-Maria cruz credo! “Creim Deus padre Ave-Maria”. Que era como, antigo, esconjurava o sertanejo daquela minha terra, onde o vento faz/ia a curva. Eu hein?!!!

*Viegas interpreta e questiona o social.
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