MENU

06/05/2023 às 00h00min - Atualizada em 06/05/2023 às 00h00min

O "Meu Banco" me ama

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
Há muito que eu desconfiava que o meu Banco me ama. Aliás que não desconfiava, eu TINHA CERTEZA! Certa feita, não sei como, nem sei por que, fiz um pequeno depósito. Pensei que pisava pra frente e pisava no meu próprio rastro. E foi aí que a coisa aconteceu e o bicho pegou! Deu certo!

Ocorreu que aquela pequena aplicação a que fiz, não é que me gerou um problema, mas... uma... digamos:  uma confusão. É que com aquela aplicação, permiti-me a entender que eu passei a integrar um grupo, uma gama, uma plêiade especial dentro do sistema financeiro, que me renderam “ações preferenciais”, com direito a dividendos, inclusive DIREITO A VOTO. Aí, por força das circunstâncias, logo pensei “Estou virando gente boa”! E, melhor ainda: Do nada! Foi como pensei!

E então quase todos os meses, senão todos os meses, o Banco me mandava uma carta para eu comparecer em São Paulo, na Av. ****, nº **, na Sala***, a fim de participar da Assembleia Geral, da prestação de contas e exercer o direito ao voto, quando da prestação de contas, etcétera, etcétera. No expediente também indicava que eu poderia indicar procurador mediante Mandato Público, com cláusula específica de poderes tais e tais – justo para participar dessa tal Assembleia Geral e apreciação do quanto devido, conforme a pauta do dia. Um negócio e um formalismo das estrelas!!!

Incrível eram as ações a que eu teria direito: “N tantas”, o que, na carta-papel, por si só, já era vantagem! E eu pensando: O MEU BANCO ME AMA. Um dia, quando eu de cara pra cima e não tinha nada o que fazer, resolvi mandar apropriar, avaliar,estimar, calcular o valor daquelas ações. Dava, nada, nada, uns quatorze reais, em moeda então atual. Aí eu pensei, quer dizer, me pergutei: O que fazer com essa grana toda? Não tinha a menor noção. Também não tinha interesse em gastar. E então resolvi deixar as águas rolarem. E até disse para os meus botões: “Com time que está ganhando, não se mexe”. E continuei recebendo as tais correspondências. Era quando eu me autoproclamava: Então eu sou gente boa! Sinal de que o meu Banco me ama!!! Era eu, exultante e feliz!

Acho que (acho que), passaram-se uns dez anos no todo e, noutra ocasião, acho que (acho que), pintou um piolho na minha cabeça e então resolvi procurar o Meu Banco para saber o meu saldo resultante daquela inusitada e estonteante aplicação. Ao que me lembro agora, quer dizer, àquela altura, eu deveria ter uns dezenove cruzeiros (ou reais?). Daria, na época para comprar um ou dois picolés, desses de fundo de quintal. Nada desprezível pra mim, que na minha infância e juventude não tinha dinheiro sequer para comprar um picolé. Agora até que eu já teria um bom motivo para resgatar aquela grana e arriscar em dois picolés... e eu comigo: O MEU BANCO ME AMA! O meu banco me ama! Eu que tive um Fusca garanhão, malandro e safado, de placa IZ-1312, cheguei a pensar em jogar no bicho, no milhar, e que até que poderia multiplicar aquela grana. A sorte tem dessas coisas... né não?

E, como nunca fui nem mandei representante, O MEU BANCO, até parece que dissuadiu-se de mim, abandonou-me. E nunca mais me mandou uma única carta. Também não tenho a menor noção de quanto certamente terei por lá. De sorte assim que tantas vezes e eu, na noite acordado, imaginando que um dia dei um passo errado e, voltando para trás, acabei pisando no meu próprio rastro e resultei tornando-me um involuntário INVESTIDOR e ACIONISTA de um negócio seguro, firme e garantido e... e... e... exaustivamente honesto. Que eu chego a pensar que tem até mesmo cotação na BOLSA DE VALORES, conversão em dólar, euro – essas coisas. E eu, bobo da corte, deixando aquela grana toda escorrer pelo ralo. Abandonada, qual uma Fafá de Belém.

Por último, quando eu vejo e ouço dizer que as pessoas se esqueceram de milhões e milhões deixados no Banco e até mesmo campanha/s oficial/is do Governo para que os interessados procurem seus créditos, logo eu imagino: Oh! Vai ver que a minha grana deve estar misturada nessa bolada! Será? É aí que o sono se vai e a esperança se esvai.

Hoje, não tenho a menor noção de quanto tenho em ações resultantes daquela inusitada e bem-ou-mal dita operação financeira. Cinco situações, porém, me dividem: 1-O que é meu, sem dúvida, há de estar por lá à minha espera, até porque “o que é do homem o bicho não come”; 2- É uma grana que eu poderei meter a mão na hora que bem quiser - e até trocar as ações por dinheiro ou... até mesmo... vendê-las na BOLSA e, quem sabe, também, trocá-las por barras de ouro que o Sílvio diz que vale mais do que dinheiro;  3-Hoje, graças a  esse involuntário e ignaro investimento tornei-me GENTE BOA, ou melhor: GENTE FINA;  4- O MEU BANCO ME AMA. E eu tenho a obrigação de saber disso; 5- Quem quiser falar comigo está na hora, porque na hora em que eu meter a mão nessa grana, vão ter que fazer fila ou agendar. E eu, ali, protegido por seguranças, armados até os dentes. E PUTIN, perdendo de mim e é feio!

* Viegas interpreta e questiona o social.
Link
Leia Também »
Comentários »