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21/04/2023 às 00h00min - Atualizada em 21/04/2023 às 00h00min

A ESCOLA DO SERTÃO

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

  
Dia desses, no soturno-clarão Da minha mente e então me vi na minha Escola do Sertão, a escola das minhas primeiras letras, no tempo do “castigo de joelhos” e do bolo de palmatória. Era a “Escola Sertãozinho” do meu tio Mundico do Sertão – gratidão e homenagem que guardo pelo resto da vida!

Naquela noite, quando o meu pai chegou da VILA, trazendo uma carta de ABC e uma Tabuada. Lembra da Carta de ABC e da Tabuada.???  Era a minha iniciação escolar. Já, naquela noite, o meu pai começou me ensinando as primeiras letras do A, B, C. E lá vamos nós, à luz de lamparina noite adentro. No dia seguinte, manhã bem cedo. recomeça a maratona. Meu pai, então, com as mãos “cercava” as letras e me perguntava salteado uma por uma, todas elas. Dias depois, quando comecei na escola do Tio Mundico, já conhecia as letras! Era um tempo do “castigo de joelhos” e do bolo de palmatória. Atravessei esse rio sem maiores dificuldades!!!

Fiquei por três anos na Escola da Palmatória e concluí o PRIMEIRO LIVRO, O SEGUNDO LIVRO e o TERCEIRO LIVRO. A Escola ensinava a ler, a escrever, a fazer contas. Nas contas tinha a PROVA DOS NOVE. Lembra da prova dos nove?  Ou tirava a prova dos nove ou ia para o castigo e para o bolo da palmatória. Tarefa para os mais adiantados era a ler a Bíblia, o Paleografo e fazer um “Traslado” em dias de sábado, nas manhãs. No translado um texto do qual não esqueço. “Não brilha o diamante sem lapidação / o mesmo acontece ao homem sem educação... ...”

Anos mais tarde, já ao tempo do computador, encontrei que no Estado da Bahia houvera uma escola da Palmatória que exercia justo esse mesmo TRASLADO. “Não brilha do diamante, sem lapidação(...). Não salvei. Posteriormente procurei pelo lendário mestre da Bahia e sua Escola e não os encontrei. Ele, inclusive, tornou-se nome de rua, segundo a leitura.

A grande sala da casa do Mestre era a nossa sala-de-aula. Ao centro havia ali uma grande mesa – que se chamava BANCA. Sobre a banca uma pedra e uma macerada e temível e terrível palmatória. E ali sim: "Escreveu e não leu, pau comeu”.  Chegávamos à Escola por volta das sete (ou sete meia da manhã) e saíamos ao meio-dia, sempre com os nossos livros, cadernos e lápis, sempre dentro de um pequeno cofinho que era a nossa “mochila” daquele tempo.  De casa saíamos com o café com farinha e, na Escola, somente água do pote. E a pedra sobre mesa? Era a senha que o candidato ou candidata ao banheiro leva-a consigo e só então, deixada sobre a mesa, o próximo poderia ir. E ai de quem desvirtuasse ou tentasse desvirtuar a lei. Ai de quem!

Éramos, na Escola, acho que uns vinte alunos entre crianças, rapazes e moças de idades diversas, todos na mesma sala, cada qual na cantoria de sua leitura (fosse livro ou tabuada), todos em voz alta e cada qual por si. Aos sábados tínhamos o ARGUMENTO, o terrível argumento! Os alunos faziam meia-lua em torno do mestre - cenho fechado e vozeirão grave. E haja perguntas sobre tabuada!

 E o bolo de palmatória corria solto, pesado e livre. Batia os que acertavam – apanhavam os que erravam. “Meu Deus do Céu! hoje é sábado! É dia de argumento! – suávamos frio, todos nós”. Mais tarde, aos oito anos quando cheguei matuto à VILA para o Grupo Escolar, com o Terceiro Livro concluído, dei um baile e fiz a festa. Acredite se quiser! Mas ainda assim fui deixado no SEGUNDO ANO PRIMÁRIO. E só depois eu compreendi o sacerdócio, a missão de TIO MUNDICO DO SERTÃO, naquelas encravas do analfabetismo dominante, lá onde o vento fazia a curva.

Hoje, na homenagem e na gratidão, dedico ao Tio Mundico do Sertão, mestre das minhas primeiras letras - a sala de recepção do nosso escritório. Foram assim os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.

* Viegas interpreta e questiona o social.
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