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01/04/2023 às 00h00min - Atualizada em 01/04/2023 às 00h00min

Tacla Duran – a pedra no meio do caminho

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
O poeta itabirense Carlos Drummond de Andrade publicou – ou foi publicado –, em 1928, na Revista de Antropofagia, o poema No meio do caminho, que, para alguns poucos, o poema não tinha nenhum significado literário, enquanto outros, mais perspicazes, entenderam se tratar de uma obra-prima, cujos versos repetitivos se insurgiam contra a estética formalista parnasiana. A respeito, li um comentário feito por uma professora, Roberta Fuks, que, ao falar sobre o sentido literário de No meio do caminho, assim teorizou: “As pedras mencionadas nesta poesia podem ser classificadas como obstáculos ou problemas que as pessoas encontram na vida, descrita neste caso como um ‘caminho’. Essas pedras podem impedir a pessoa de seguir o seu percurso, ou seja, os problemas podem impedir de avançar na vida. Os versos ‘nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas’ transmitem uma sensação de cansaço por parte do autor, e do acontecimento que ficará sempre na memória do poeta. Assim, as pedras mencionadas também podem indicar um acontecimento relevante e marcante para a vida de uma pessoa.”

O poema No meio do caminho é muito bem elaborado e comunga com os princípios mais abertos e com a estética dos versos livres que o movimento modernista, deflagrado pela Semana de Arte de 1922, em São Paulo, sob a liderança de Graça Aranha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros grandes artistas, como Tarsila do Amaral, Menotti Del Pichia, Anita Malfatti, Di Cavalcanti. A mensagem desse poema de Drummond de Andrade é extraída da simplicidade dos seus versos, a dialogar com a vida e os seus obstáculos, ainda que passados, que se projetam, sempre, no presente. A teoria literária, pelas palavras da professora acima citada, faz esta síntese da finalidade poética do itabirense: “O objetivo de Drummond é produzir uma poesia mais pura, mais voltada para a essência.” E para o ser humano que o lê.

Transcrevo a íntegra do poema No meio do caminho:

“No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.”

A questão que quero pôr, na essência desta nossa conversa semanal, não está restrita à pedra que o poeta Drummond insiste em afirmar repetitivamente que tinha no meio do caminho, reiterando que nunca esquecerá “na vida das suas retinas tão fatigadas”. O fato, transpondo para a realidade da vida, que é o caminho, é que há sempre uma pedra no meio do caminho. Nem sempre possível removê-la, embora tudo seja feito para escondê-la da curiosidade daqueles que gostam de futricar a vida alheia.

Então, por que a pedra no meio do caminho? Simples, mas não tão simples assim. Tento explicar. É do conhecimento geral, sem até então supor-se haver pedra no meio do caminho, que o famigerado juiz Sérgio Moro, foi declarado suspeito em decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal, e, em decorrência, suas sentenças caíram, todas, como fruta podre a despencar de uma árvore. Mas também é do conhecimento que o dito magistrado se associou ao capitão Bolsonaro, cuja pedra no meio do caminho é a sua frágil massa cefálica, e contribuiu ostensivamente para sua eleição, para, em seguida, sem qualquer pejo, assumir a titularidade do Ministério da Justiça, ainda com a promessa de que seria nomeado para o STF. Veio a pedra e se pôs no meio do caminho: o acordo entre o juiz Moro e o capitão-presidente foi para o brejo. E os burros deram nágua. O juiz da famigerada lava-jato deixou de ser juiz, de ser ministro, de ser advogado, e, sem eira nem beira, aproveitou a onda da direita armamentista e autoritária, tendo sido agraciado com um mandato de senador. E a sua “conje”, a advogada Rosângela Moro, se elegeu deputada federal. Até quando há de haver outra pedra no meio do caminho? Ninguém tem o poder premonitório de saber. Só o Supremo Tribunal Federal. Isso porque o senador Sérgio Moro e a sua “conje”, ora deputada, encontraram no meio do caminho uma pedra. Daquelas bem grandes, que mais parecem um pedregulho.

De que pedra se trata? Um tal de Tacla Duran, ex-advogado da Odebredht, que esteve envolvido na lava-jato, prestou depoimento em juízo e declarou que foi vítima de extorsão de uma quadrilha que ocupava o comando da famigerada operação. E esse pessoal fez uma exigência de pagamento de US$ 5 milhões de dólares. Aceita, porém o pagamento foi realizado em parte. Apenas US$ 613 mil dólares – valor transferido para conta bancária do advogado Marlus Arns, sócio em atividade advocatícia da “conje” do, à época, juiz Sérgio Moro.

Considerando que o suposto crime, relatado por Tacla Duran, envolve Sérgio Moro, Rosângela Moro e Deltan Dallagnol, todos eles parlamentares com prerrogativa de foro, o juiz Eduardo Fernando Appio, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, decidiu encaminhar o processo para o STF, prolatando esta decisão: “Diante da notícia crime de extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa de foro, ou seja, Deputado Deltan Dalagnol e o Senador Sérigo Moro, bem como as pessoas do advogado Zucolotto e do dito cabo eleitoral Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos.” O juiz Appio ainda determinou que Tacla Duran seja incluído em programa de proteção de testemunhas, considerando a força e a influência dos supostos autores da extorsão.

Eis a pedra no meio do caminho, que sai do poema de Carlos Drummond e se projeta em nossa espúria realidade política, tendo como personagem um magistrado que soube manipular o nobre e sublime cargo, que deveria ter honrado.

* Membro da AML e AIL
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