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25/02/2023 às 00h00min - Atualizada em 25/02/2023 às 00h00min

Banco Central independente? Mas, de quem?

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Pois bem. Sei que estamos ainda na ressaca do carnaval, o qual nos deixou há pouquíssimos dias. Precisamos despertar para as nossas questões, algumas tormentosas, que envolvem o Estado brasileiro. E uma delas, que foi silenciada pelo som cativante dos pandeiros e tamborins, pelo canto alegre dos foliões e o rufar dos tambores das escolas de samba e dos blocos organizados ou de sujo, foi a referente ao Banco Central – sua independência ou não.

A reposta a essa pergunta poderia ser encontrada, como é óbvio, na Constituição da República do Brasil, que estabelece as normas que estruturam o funcionamento do Estado brasileiro, especificamente o exercício independente e harmônico dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como se deduz da leitura do caput do art. 1º e parágrafo único desta mesma norma, que dispõem: “Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:” (…) e o “Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Em sequência, o art. 2º da nossa Carta Republicana discrimina quais os poderes da União, que são independentes e harmônicos: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Em nenhuma dessas normas que trata dos poderes da República Federativa do Brasil, consta o Banco Central como poder isento de qualquer controle. Por se tratar de uma autarquia estatal, ainda assim um “poder” não subordinado à hierarquia de um ministério e à presidência da República, em que pese o nosso sistema ser presidencialista.

Alerto: não sou economista. Felizmente, independentemente de sê-lo ou não, sou brasileiro, e, nessa condição, conheço a nossa principal Lei, a Constituição Federal. E uma questão que me deixou perplexo foi encontrar uma resposta adequada a respeito da independência ou autonomia do Banco Central. Primeiramente, fui à Constituição da nossa República. Pensei – até porque pensar é um permanente desafio: que a Carta republicana me daria uma resposta, esclarecendo essa dúvida, sobretudo porque se vive um sistema presidencial, desde a Constituição de 1891, em que os poderes independentes estão relacionados como harmônicos no texto constitucional.

Em um excelente estudo, publicado no Blog Brasil 247, sob a denominação de A Autonomia do Banco Central é compatível com  Constituição?, o constitucionalista Lenio Streck, com absoluta clarividência, esmiúça pontos essenciais dessa controvérsia, que vieram à tona após o Presidente Luís Inácio Lula da Silva ter feito uma acerbada crítica ao Banco Central, que, por seu presidente e diretores, fixou uma taxa de juros num patamar considerado desproporcional. Em face dessas críticas e por ser o BC considerado autônomo, o Brasil voltou a ter um incêndio de conflitos no campo econômico, adstrito à política monetária, alinhando-se nas fileiras os detentores do capital financeiro e, no outro lado, os que não retiram dessa posição capitalista do Banco Central qualquer migalha. Pelo contrário, perdem. Entre estes últimos, encontram-se os trabalhadores, vítimas da dívida pública e despossuído de títulos dessa dívida.

Por isso mesmo, recorro a Lenio Streck, um pensador não só no campo dogmático do direito, mas da filosofia jurídica, que traz a lume os seguintes argumentos: “Examinando o texto constitucional, temos que ali estão determinadas as normas para a consecução de políticas públicas que devem visar a erradicar a pobreza e fazer justiça social (por exemplo, artigo 3º). Isso sem considerar o próprio cerne daquilo que chamamos de “Constituição Econômica”. Parece que esquecemos que a nossa Constituição tem o claro perfil dirigente. A CF-88 é compromissória e dirigente, filha das Constituições dirigentes do segundo pós-guerra, mormente se pensarmos em países periféricos como o Brasil.” E mais: “Banco Central aparece oito vezes no texto da Constituição. Nenhuma vez sequer se insinua a sua autonomia ou independência para além do poder do presidente da República — basta ver que o regime continua sendo o presidencialista. (…) Trata-se de analisar o papel do Estado na economia. E o do governo. Enquanto não resolvermos esses problemas (pobreza, segurança e igualdade política), ainda precisamos de forte atuação estatal para a consecução desses objetivos constitucionais. Isto é, aqui no Brasil a Constituição que dirige não morreu. (…) Não parece adequado à Constituição um organismo como o Banco Central autônomo, cujo presidente, sem mandato popular, sem legitimidade, estabeleça as diretrizes do desenvolvimento econômico. Porque, no fundo, é isso que acontece. O Banco Central manda mais que o presidente. O Brasil é uma República representativa. Presidencialista. Elege-se o presidente para elaborar políticas públicas. Que devem ser compatíveis e obedecer a Constituição. Ora, se o presidente do Banco Central resolver triplicar a taxa de juros em relação ao índice inflacionário (duplicada já está) e isso gerar mais pobreza, quer dizer que a atuação do presidente do Banco Central é inconstitucional, porque a Constituição diz o contrário. Pior: a culpa e responsabilidade serão debitadas na conta de quem foi eleito presidente. Da República. E não do Banco Central.”

Essas lições aqui expostas desse constitucionalista nos alertam para a distopia de mais um poder, que é exercido pelos dirigentes do Banco Central, ao fixar taxa de juros (Selic) altíssima, em percentual desproporcional que freia a política implementada pelo poder Executivo, de desenvolvimento econômico e, em contrassenso, beneficia os detentores de títulos da dívida pública, que é o que está a acontecer.

É preciso ressalvar que, como afirmam alguns economistas, a opção legislativa pela autonomia do BC é questão essencialmente política, não se situando no campo da interpretação constitucional. Certo. O Banco Central utiliza Títulos do Tesouro Nacional não para política econômica – esta é da competência do Executivo -, mas para realizar política monetária, que visa às operações de compra e venda no mercado secundário. Ou seja, trata-se de especulação, com a garantia de grande rentabilidade financeira.

Ademais, cada poder da República tem suas competências fixadas na Constituição Federal. O Banco Central não é poder da República, assim como ocorre com as Forças Armadas. Portanto, tem o BC atribuições, competências, que lhe são atribuídas. E só. Na ADI n. 6.696/DF, o STF firmou entendimento de constitucionalidade da Lei n. 179, de 24 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre a autonomia do Banco Central. Deve ser ressaltado que essa autonomia é apenas formal, tanto que a sua diretoria é indicada pelo Presidente da República e nomeada após aprovação pelo Senado Federal. Por isso mesmo, não pode o Banco Central, ao fixar taxas de juros, como política monetária, criar entraves ao desenvolvimento do País. Os poderes são independentes e harmônicos, sem a inclusão do BC.

* Membro da AML e AIL
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