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04/02/2023 às 00h00min - Atualizada em 04/02/2023 às 00h00min

O golpe chamado impeachment

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Para melhor lembrar-me dos fatos ocorridos nos idos de 2016, fiz uma consulta ampla, mas não tanto minuciosa, a respeito do conturbado impeachment da presidente Dilma Rousseff, que estava no exercício do segundo mandato do executivo federal, quando o país vivia um momento econômico de muita dificuldade, embora o seu primeiro mandato tenha sido exitoso, haja vista que sucedera o presidente Luís Inácio Lula da Silva, que exercera dois mandatos presidenciais anteriores e entregara o governo à presidente com uma aprovação de mais de setenta por cento. Tanto que, em que pesem todos os tormentos sofridos no curso da sua vida política e privada, teve, mais uma vez, o seu nome consagrado para um terceiro mandato presidencial.

Uma das fontes consultadas foi o portal de notícias do Senado da República. Nele consta matéria com o seguinte título: Impeachment de Dilma Rousseff marca ano de 2016 no Congresso e no Brasil. O texto tem início com esses esclarecimentos: “Entre tantos acontecimentos marcantes de 2016, um dos que mais impactaram o país e o Congresso Nacional foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O processo caracterizou-se por polêmica e divergência de opiniões no Parlamento e na sociedade, o que o diferencia do ocorrido com Fernando Collor, em 1992.” Faz o texto um detalhado relato de todo o procedimento adotado, que teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados deu início ao processamento do pedido, e se encerrou em 31 de agosto de 2016, com a cassação pelo Senado Federal do mandato da presidente Dilma, curiosamente, diferente do julgamento de Fernando Collor, sem que fosse aplicada a sanção da perda dos seus direitos políticos, conforme preceitua o parágrafo único do art. 52 da Constituição Federal.

É bom que seja ressaltado, quanto à inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, manifestado na sua obra Direito Constitucional, 38ª ed., 2022, p. 568: “A Constituição prevê em seu art. 52, parágrafo único, as duas sanções autônomas e cumulativas a serem aplicadas na hipótese de condenação por crime de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.” No caso do impeachment da presidente, a pena sancionatória se limitou tão-somente à perda do cargo, sem que fosse inabilitada. Isso é uma clara demonstração de que o crime de responsabilidade imputado à presidente não foi tão crime que tivesse como conseqüência a cumulação das penas.

Tanto isso é verdade que juristas ou não juristas, sem o ranço de fundamentalismos preconceituosos, à época e, ainda mais, atualmente, têm externado opinião no sentido de que o impeachment da presidente Dilma teve fundamento meramente político, portanto destituído de juricidade. Em síntese, foi um golpe, arquitetado pelos liberais, que tiveram total domínio do governo do vice-presidente, com participação de Michel Temer e do deputado Eduardo Cunha, que, por corrupção, se encontrava ameaçado gravemente de ter o mandato cassado.

Isso é tão verdade que todas as ações judiciais, propostas contra a presidente Dilma Rousseff, após o impedimento, com base nos mesmos fatos do impeachment, foram julgadas improcedentes pelos Tribunais Federais ou arquivadas e extintos os processos, como se deu no Tribunal Federal da 2ª Região. Do mesmo modo, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão de Combate à Corrupção, do MPF, homologou arquivamento de inquérito, sob o argumento da constatação de boa-fé, “seja porquanto (os agentes públicos) procederam em conformidade com as práticas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão”.

Em conclusão disso tudo, as famosas “pedaladas fiscais” se constituíram meros fundamentos falaciosos para depor, por um procedimento de impeachment “fabricado” pelas elites do capitalismo predador, a presidente eleita democraticamente. Esse grave fato político confirma o correto pensamento da jurista Adriana Cecílio, manifestado na sua excelente obra A Separação dos Poderes e o Sistema de Freios e Contrapesos, 1. ed., 2022, Amanuense, p. 113, ao esclarecer que “a fragilidade do instrumento encontra-se na possibilidade de seu uso indevido pautado exclusivamente em interesses políticos, não jurídicos. Um exemplo dessa situação foi o impeachment processado em face da Ex-Presidente Dilma Rousseff, cujos fundamentos passaram ao largo da juricidade necessária para justificar o julgamento procedente da ação”.

Na deposição da presidente Dilma, encenou-se um procedimento com falsa capa de legalidade, porém antijurídico, uma vez que as inventadas “pedaladas fiscais”, tipificadas como delito de responsabilidade, não existiram, fato reconhecido por órgãos de investigação federal e por Tribunais Federais. Exsurge a questão shakespeareana: foi golpe ou não? Segundo o Michel Temer, vice-presidente à época, em entrevista dada à TV Cultura, foi golpe, se bem que ressalva: “...eu jamais apoiei e fiz empenho pelo golpe”. Embora muitos brasileiros não tenham apoiado nem se empenhado, razão por que não são bandidos, a óbvia conclusão é de que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi GOLPE.

* Membro da AML e AIL
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