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21/01/2023 às 00h00min - Atualizada em 21/01/2023 às 00h00min

Lutar, resistir sempre

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
“Eu sou aquela mulher
a quem o tempomuito ensinou.,Ensinou a amar a vida.Não desistir da luta.Recomeçar na derrota.Renunciar a palavras e pensamentos negativos.Acreditar nos valores humanos.Ser otimista.”
(Cora Coralina; trecho do poema Ofertas de Aninha (aos moços)

Como enfatiza esse belo poema da grande poeta do Goiás Velho, “Eu sou aquela mulher / a quem o tempo / muito ensinou. / Ensinou a amar a vida. / Não desistir da luta.” Nesse clima de luta e resistência, o poeta maranhense Antônio Gonçalves Dias, romântico e indianista, ao referir-se ao herói épico, diante de um mundo hostil, no qual tem que demonstrar a sua bravura, o pai diz ao filho, no canto da Canção do Tamoio: “Não chores, meu filho: / Não chores, que a vida / É luta renhida: / Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos, / Só pode exaltar.” Historicamente, todos nós somos esse guerreiro que não desiste, sempre a combater, porque viver é lutar.

Grande parte do povo brasileiro, que entende e tem consciência do que seja liberdade, sabe que o exercício desse sagrado direito está em luta renhida para que essa liberdade, garantida pelo exercício amplo da democracia, seja conservada intacta, sem autoritarismo, sem militarismo, sem fascismo, e com respeito absoluto à ordem jurídica, a partir dos preceitos legais consagrados na Constituição Federal. Os poderes constituídos são independentes e harmônicos entre si, mas o controle jurisdicional dos atos é do Poder Judiciário. Nesse ponto, sou obsessivamente repetitivo.

Estava eu a ouvir um depoimento dado por um brilhante advogado, conhecido por Kakay, cujo nome de batismo é Antônio Carlos de Almeida Castro, que costuma atuar nos nossos tribunais, na luta para que o direito seja proclamado nas decisões judiciais e, assim, seja feita a justiça a quaisquer dos contendores, postulantes ou postulados. E ele dizia (sem transcrição literal), e com total razão: Esse pessoal do terror – aquela turma que, aliada a Bolsonaro e à elite do agronegócio, tentou criar uma situação golpista – não sabe o que é liberdade; a única consciência de vida que tem é o dinheiro. Vivem especificamente para isso. E disse mais: tem a visão curta. A nossa liberdade não vem apenas de uma visão objetiva, mas dos livros e do sentido poético que esse direito representa. O escravo não teve a liberdade apenas pelo ato de ser abolida a escravidão. Não. É muito mais que isso.

Concordo com esse renomado advogado, Ser livre, primeiramente é não ser escravo (e aí não liberdade, nem utópica) das ideias preconcebidas e racistas impostas por quem se diz gente de bem. Ser livre não é apenas não está ergastulado numa prisão. É poder viver e professar as suas ideias construtivas, recheadas de valores éticas e morais, que possam servir de argamassa para mudar a sociedade para melhor. Nelson Mandela é exemplo edificante. Esteve encarcerado por 25 anos, e vivia a sua liberdade de lutar pela libertação do seu povo. Fez uma revolução transformadora, mudando todo o destino da África Negra, ao levar vida para o povo dessa região, que sofria o massacre racista do branco inglês. A liberdade não é tão só fazer o que se quer fazer, pisando valores instituídos pela própria sociedade. É respeitar esses valores.

Grande foi a luta do povo brasileiro para chegar à democracia que chegou. O golpe civil-militar de 31 de março ou 1º de abril de 1964, entre tantos que foram perpetrados na história do Brasil, a partir da proclamação da República, congregou militares, empresários, políticos, a imprensa televisada, falada e escrita e a igreja, e teve como funestas consequências: a entrega de nossas riquezas para o capitalismo multinacional, a acentuada desigualdade do nosso povo, situação piorada pelos desgovernos de Temer e Bolsonaro. E todo o período ditatorial foi marcado pelo exacerbado autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos. Apenas a exemplificar essas atrocidades, devem ser lembrados dois assassinatos decorrentes de torturas, ocorridos nas dependências do Doi-CODI, de São Paulo, ou na dependência do II Exército. As vítimas da repressão da ditadura 64 foram o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, este ocorrido no dia 16 de janeiro de 1976, e Herzog, três meses antes, tendo ambos como causa mortis, afirmada pelos militares torturadores, a prática de suicídio. Por esse excesso de causa repetida e coincidente, Geisel, então o ditador de plantão, exonerou o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, gerando uma situação passageira de resistência de parte dos integrantes das Forças Armadas, sob o argumento de que Ernesto Geisel estava apenas focado na abertura lenta, gradual e segura. Como afirmou o general Sílvio Frota: só pensava naquilo.

Após Geisel, ocupou o trono da ditadura o general João Batista Figueiredo, que, enfastiando-se da presidência, deixou de governar, até porque tinha velada intenção de, boicotando a própria sucessão, ao estilo dinástico, esticar o seu imperial mandato. Então, omitiu-se de tudo, até de coordenar a sucessão. Os fatos sobre a inércia de Figueiredo se encontram relatados no livro O Complô que Elegeu Tancredo, de autoria dos jornalistas Gilberto Dimenstein, José Negreiros, Ricardo Noblat, Roberto Lopes e Roberto Fernandes. Ausente voluntariamente o presidente Figueiredo, foi feita a Aliança, e Tancredo Neves se elegeu no colégio eleitoral, sistema de monopólio criado pela ditadura.

E a própria ditadura, por seus componentes, sofria graves críticas, inclusive de corrupção. Maluf, o preferido de muitos, era considerado corrupto. Mas tinha adesão dos fardados. Andreazza, coronel, então ministro e postulante ao cargo de ditador, assim falava sobre o fracasso do governo ditatorial: “- A pobreza está demais, ninguém aguenta mais o desemprego. As pequenas empresas, e as médias também, estão todas quebrando. Ninguém aguenta mais isso. Ainda hoje falei pro Delfim: vamos mudar antes que o povo nos mude.” E povo, indo às ruas na campanha das diretas-já, deu a sua valiosa contribuição. Nenhum desses que está travestido de terrorista participou dessa luta libertadora. Como afirmam os poetas acima, a luta pela democracia é permanente. O povo, só o povo tem consciência disso. Pois sabe o que é liberdade.

* Membro da AML e AIL
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