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07/01/2023 às 00h00min - Atualizada em 07/01/2023 às 00h00min

Lula e Pelé

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
O que há de comum entre esses dois craques e personagens que atravessaram as fronteiras do nosso Brasil? A princípio, parece que nada. O primeiro, metalúrgico, líder sindical, na época em que éramos sufocados pela ditadura militar de 64, tendo à frente a famigerada linha dura capitaneada pelos fardados como Newton Cruz, montado no seu garboso cavalo, a dar coices para todos os lados, Sylvio Frota, um Nero, contido por Geisel, na sua ânsia de elevar ao grau máximo a tortura e os assassinatos, e o idolatrado coronel e torturador Carlos Alberto Ustra, de memória reverenciada pelo, infelizmente, depois capitão do Planalto. Derrubada a ditadura, foi eleito a três mandatos presidenciais, estando no iniciozinho do terceiro, após uma luta contra trincheiras militaristas, para alegria de mais de 60 milhões de eleitores brasileiros; na outra banda, o choro de um pouco mais de 50 milhões eleitores do nefasto capitão, o qual sonhava, ou tinha pesadelos, em dar o golpe, mas, felizmente, prevaleceram as normas impositivas da Constituição Federal, cujo parágrafo único do art. 1º proclama que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A festa de posse desse personagem fundamental para nossa história foi, ainda que vista até mesmo pelos cegos mentais, uma apoteose.
 
O segundo, Pelé, o rei do Futebol e o atleta do século XX, de origem pobre, de Três Corações, Minas Gerais, donde saiu para mundo, para exibir a sua arte de jogar futebol. Foi três vezes campeão do mundo. Em 1970, no México, foi conclamado o melhor jogador da Copa do Mundo. Demonstrou toda a sua inigualável habilidade futebolística. Quem não o viu ao vivo, ouviu pelas rádios, ou posteriormente em vídeo-tape. E constatou, extasiado, a sua genialidade no quarto gol feito pela seleção brasileira, na última partida, contra a Itália, no fenomenal passe que deu a Carlos Alberto Torres (cuidado, nada a ver com Ustra; não confundamos alhos com bugalhos), que, vindo, desmarcado, pela direita, deu um belo chute de primeira e marcou o quarto gol, selando a conquista da Copa de 70. Pelé, pelo que eu saiba nunca fez política, embora tenha dedicado o seu milésimo gol para as crianças pobres e desamparadas.

Com a taça da copa nas mãos, a seleção foi recebida pela ditadura militar, que aproveitou a conquista para, ainda mais, encobrir os assassinatos e torturas que ocorriam nos porões dos Doi-Codis e Dops, sob o comando do coronel Ustra ou do delegado Fleury, que faziam o que bem queriam. Felizmente, para a história, morreram, e que Deus os conserve distantes de todos nós. Em esclarecimento: o chefão da ditadura, à época, era o general Médici, cujo período do seu nefasto reinado ocorreram os mais cruéis desrespeitos aos direitos humanos. Crimes que serão, e estão sendo, submetidos ao julgamento do tribunal da história, que tem constantemente sentenciado e condenado através do voto do povo, de denúncias por historiadores comprometidos com a ética e verdade dos fatos, ao impossibilitarem o retorno do autoritarismo, na vigilância permanente contra o arbítrio, na resistência do não esquecimento e na defesa da democracia e do Estado de direito, para que se efetive a reparação das lesões praticadas contra os direitos dos cidadãos brasileiros.

No discurso de posse, o presidente Lula deixou claro que pretende pacificar o País, que estava a viver num caldeirão de conflitos. Foram quatro anos de desrespeito às instituições. Deve ser dito, em alta voz, sem medo de errar, que a grande pilastra de sustentação do Estado de direito, da supremacia da Constituição Federal e da democracia foram as respostas dadas pelo Poder Judiciário, especificamente o Supremo Tribunal Federal e, no processo eleitoral de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral, com a finalidade de que a república fosse, na verdade, respeitada, como República, conforme preceitua, cogentemente, o art. 1º da nossa Carta Magna: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

Cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, pluralismo político são postulados constitucionais essenciais, que, por imposição constitucional, devem ser obrigatoriamente respeitados, como forma de superação da desigualdade, imperante abusivamente em nossa sociedade, e para efetivação de uma cidadania consciente do seu papel transformador e histórico.

Destaco trecho fundamental do histórico discurso do presidente Lula, ao falar do parlatório. Disse o presidente: “Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal. O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio, responderemos com amor. À mentira, com a verdade. Ao terror e à violência, responderemos com a Lei e suas mais duras consequências.”

Esse é pensamento que vem de um estadista, a lembrar Lincoln, lenhador, nascido numa tosca cabana, mas, até hoje, lembrado como o grande presidente norte-americano, que teve que enfrentar uma guerra civil – a guerra de secessão -, para, primeiramente, garantir a abolição da escravidão e manter indissolúvel a União, em face da resistência e da crueldade dos escravistas do Sul.

A agenda da nova gestão do presidente Lula é, primeiramente, fortalecer as instituições, sobretudo respeitar as funções do Poder Judiciário, na prestação jurisdicional. Como ensinavam os mais antigos: a decisão judicial tem que ser cumprida. Desagrade o rico, o riquíssimo, ou o pobre. E o parlamento tem que ser Parlamento - o locus onde são debatidos os problemas brasileiros, e a solução regulada por lei. Nada de orçamento secreto, ou qualquer vilania dessa espécie. Parlamentar é para legislar. E o Executivo para administrar, com ética, correção, transparência absoluta, visando elidir as desigualdades gritantes do Brasil. Mercado é mercado. Mesmo poderoso, não é poder. Não tem preocupação com o desemprego, a fome e a miséria, que se alastram pelas nossas cansadas vistas. Mercado tem a seu lado liberalismo, e usufrui dos juros altos, da inflação, do pagamento da dívida pública e da pobreza, que ajuda a deflagrar em todo território nacional. Já a pobreza, o desemprego, a inflação, a educação pública, a saúde para todos e outras graves carências precisam do Estado, um Estado social, presente, para dar respostas e eliminar essas contradições.

Como afirma o comentarista Jeferson Miola, em texto publicado no Brail247, em 19 de dezembro do ano findo: “Para o mercado e seus defensores, em primeiro lugar vem o dinheiro; que, às custas de vidas humanas sacrificadas, gera mais dinheiro.” É isso aí.
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