MENU

03/10/2020 às 00h00min - Atualizada em 03/10/2020 às 00h00min

OS PERSONAGENS DA CIDADE

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS e advogado, jornalista, cronista e contesta o social.


Cheguei a São Luís aos onze anos de idade, em calça curtas para tentar o Exame de Admissão Ginásio, num tempo em que a escola de base era outra escola. Eu era ali um verdadeiro “bicho do mato” fora do meu habitat, mas foi o balanço do mar que me ensinou a nadar. Nadei, nadei até aqui chegar.E então lá se vão sessenta e cinco anos!!! São Luís, naquela época tinha uns personagens que marcaram o seu tempo. Lembro de vários dessa galera mas só alguns, agora, compõe esta galeria.

Havia – no ditério popular - um mito que se chamou ANA JANSEN que marcou a história viva da cidade, com lendas que vão da violência às imaginárias aparições. Fora uma mulher de posse, negociante, mão de ferro, dominadora e dona de escravos aos quais  decidia sob tortura pela vida e pela morte. A lenda sobre Ana Jansen era terrível! Diziam que jogava escravos mortos ou vivos dentro de um grande e profundo poço existente em seus domínios. Diziam, fartamente, nos anos cinquenta e mais adiante que na capital, nas noites, aparecia uma carruagem arrastando correntes que aterrorizava as pessoas. Jovens e adultos não se arriscavam a empreitadas noturnas distantes. Sou ouvi o quanto apavorados diziam; porém nada vi.

No João Paulo de todas as doidivanas da noite, lá mesmo um gueto chamado “Buraco do Tatu” tais os casebres num labirinto em viela apertada e sinuosa, tinha oLAMBADA. Lambada tinha um vozeirão. Com duas e outras tantas no juízo empostava a voz num tom gramatical, parecia gente. Mas coitado era só mais um na multidão, na confraria da pinga. De uma perna amputada, Lambada não pedia à caridade pública. Era só mais um desocupado e descamisado em meio a tantos outros.

Na capital tinha o REI DOS HOMENS. Era um apelido “auto-explicativo”. Não mexia com ninguém nem com nada. Era um tipo calado. Marcava presença por aonde passava. Sujeito alto, corpulento, destacava-se pelo andar: aquele “andarzão”! O busto e os pés para frente, a cabeça recuada, para trás. O próprio andar já denunciava: aquele sim era o Rei dos homens!!!

Houve também na capital a figura do MATA-SETE. Um sujeito aparentemente inofensivo. Diziam todas as línguas que Mata-Sete tinha o sonho DE SER FELIZ e, para isso teria que matar sete mulheres, foi como ouvi em sala de aula. Certa manhã, fim de semana, o internato da minha escola federal amanheceu em polvorosa!É que haviam matado uma mulher e o seu corpo foi encontrado “todo estraçalhado”, na linha do trem. Fui até o local e vi tétrico do que vi. Algo como 12 anos  depois, numa atividade da  Faculdade, fomos em visita à Penitenciária de Pedrinhas. Foi lá que conheci o Mata-Sete, conversei com ele. Me disse que lhe “levantaram um falso”, por isso estava preso. Um sujeito aparentemente inofensivo. Ouvi dizer que matou várias mulheres porém não sei quantas, ao certo.

No João Paulo da Rua da Vala, de todos os cortiços tinha a Dona Perpétua, que o povo  chamava DONA PERPÉTA. Perpeta era ditadora, madame e governanta da sua casa de mulheres, o seu “Chatô da Perpéta”.  Numa certa tarde de fim de semana, PERPÉTUA, olhos azuis, independente, falastrona, estava falando nas alturas, estarradonae escancaradonano seu sofá. Ao seu lado bebericava no aproveitamento, do tipo zero-oitocentos, o Cabo Laranjeira (outro personagem da cidade), que ali como em outros momentos figurava comoguarda-costa de Dona Perpéta. Laranjeira tinha fama de... de... já ter mandado uns seis para a cidade de pés juntos. A certa altura, Laranjeira, à paisana, trezoitão na cintura, esbravejou: Já mandei uns quatro ir plantar fava e... (batendo ao ombro) ... equem derrubar as minhas duas lapas  (divisada de cabo-PM), vai morrer.

Figura de proa no João Paulo era o BOTA PR MOER.Não morava no bairromas de quando em vez aparecia por lá. Acho que espreitava a mulherada, as chamadas “prostitutas” que se espalhavam por lá.  Bota pra Moer, usava óculos escuros (tipo Ray Ban);era um tipo solitário, sisudo, fechado, caladão, e não dava papo pra ninguém. Andava à deriva, envergava um paletó negro, surrado cheio de estrelas, distintivos, missangas,botons, comendas, insígnias e outros badulaques, no que se comportava solene, na liturgia da sua fantasia.Ele não gostava do apelido, também não brigava mas atendia de bom grado quando alguém lhe cumprimentava: E aí SEU BOTA, tudo bem?

Na cidade tinha o DOMINGO-ARÔCHA, filho do velho PATUSSINO AROCHA, trabalhador, cachaceiro e brigador que ficou no interior. DOMINGO eraestivador marítimo, quieto, pacato, homem sério, trabalhador. Vivia dentro de um paletó de linho branco, chapéu na cabeça, tranquilo. Com duas pingas no juízo,brigava com paletó, chapéu e tudo. Nunca usou arma, gabava-se.  Brigava na mão e na rasteira. Dava uma rasteira no cabra e  “o boguecomia solto”. Não te mete como Domingo-Ar|ôcha  que não dá pra ti”. E ainda tinha os “panos quentes” de gente da polícia...

Outra figura da capital era o ZÉ CUPERTINO. Era uma tipo “TERECOZEIRO”,  tinha um programa de rádio e tornou-se vereador. Conta a lenda viva que quando da construção da Barragem do Bacanga, por volta de 1965/66, a engenharia enfrentou dificuldades e empecilhos com a conclusão da comporta ou das comportas. Por mais que faziam, tudo em seguida era destruído, Diziam que as entidades do mar, não aceitavam a intromissão. Aí chamaram Zé Cupertino que tocou  seus tambores em noites seguidas às entidades do mar. E então a obra foi concluída. E Zé Cupertino, vereador, ganhou mais uma eleição. E a fama...

Outra figura da cidade era o JORGE ITACY, também conhecido como JORGE DA FÉ EM DEUS. Ou Jorge Babalaô. Jorge era babalorixá (pai de santo), líder do seu terreiro. Um cara simpático, cativante, conversa franca. Quando eu me fiz  um foca (estagiário) do Jornal O IMPARCIAL, fui à FÉ EM DEUS e perguntei tudo e muito mais ao Jorge: velas, vestuários, cores, santos,  mães de santo, filhas e filhos de santo,comidas, costumes,  ritmos e ritos do seu candomblé.Além do que Jorge me deu uma aula sobre SINCRETISMO RELIGIOSO.  Dois dias depois voltei à Fé em Deus e levei-lhe o jornal com a matéria  emuma página inteira. A manchete dizia:OS TAMBORES DA FÉ EM DEUS ESTÃO EM FESTA. Ao que Jorge me replicou: abre aspas: “O santo gostou de você” Fecha aspas. E não mais voltei por lá.

O meu lamento aqui é que esta galeria não comporta a todos que compõem essa galera. E quem souber que me conte outra.
Tags »
Leia Também »
Comentários »
OPROGRESSONET Publicidade 1200x90