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20/08/2022 às 00h00min - Atualizada em 20/08/2022 às 00h00min

1954 – os anos 50

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Getúlio é eleito, em 3 de outubro 1950, presidente da República, retornando ao poder pela vontade do povo, sendo consagrado nas urnas com 48,7% dos votos. Eduardo Gomes, 29,7% e Cristiano Machado, 21,5%. Seus concorrentes derrotados. Lacerda, sem êxito, contesta a vitória eleitoral de Vargas. Nesse retorno de Getúlio, o Brasil era outro. Não tinha mais a feição socioeconômica do Estado Novo, de 1937-1945. As exigências eram mais abrangentes. Ainda assim, o seu governo vai até 1954, quando, em agosto, acossado pelas aves de rapina (grupos econômicos internacionais e nacionais), denunciadas na carta-testamento, em ato de resistência, Getúlio Dornelles Vargas desfere um tiro no peito e entrega em holocausto a sua vida, dando o passo em definitivo para eternizar-se na História.

Os anos 50 foram marcados por grandes avanços que contrariaram interesses econômicos alienígenas e dos oportunistas deste Brasil nem sempre brasileiro. A Petrobrás foi criada (dizia-se que o Brasil não tinha petróleo), foi instituída a Lei de Remessa de Lucros e dados os primeiros passos para criação da Eletrobrás. Getúlio cimentou o alicerce sobre o qual Juscelino Kubitschek iniciou a retirada do país da condição agrária e desse andamento, de forma concreta, ao processo de sua industrialização. Nessa onda de mudanças, vieram os movimentos culturais como, na música, a bossa nova, o cinema novo, a poesia concreta, e, em 1958, a vitória da seleção na copa do mundo na Suécia. Brasília foi construída em três anos. Juscelino realizava, para modernizar a economia do país e eliminar as desigualdades, o plano de metas, centrado na ideia-chave de 50 anos em 5.

No início dos anos 50, era eu bem criança. Mas a história diz que o Brasil vivia momentos de euforia. Época de ouro do rádio, que alimentava os sonhos dos brasileiros através das radionovelas, além de ditar o comportamento daquela época. Marlene, Emilinha Borba, Francisco Alves, César de Alencar, Rádio Nacional, Garrincha, Pelé, Didi, Nilton Santos, Vavá, Maracanã, as chanchadas da Atlântida. O Brasil estava se construindo e buscava o seu destino, como ainda o faz até hoje. Elvira Pagã era a grande vedete, com o mesmo prestígio das atuais. Ficara famosa por ter posado nua, e fez da foto cartão natalino. Foi a primeira rainha do carnaval carioca. No futebol, o Vasco da Gama, que atualmente disputa a série B do campeonato nacional, era o Expresso da Vitória, no dia 7 de setembro de 1952, no Maracanã, goleia o Bangu por 6 a 2, e o time, que os torcedores sabiam de cor e salteado, era Barbosa, Augusto e Haroldo; Ely, Danilo e Jorge; Edmur (Friaça), Maneca, Ademir, Ipojucan e Chico. Contava o Bangu com o grande mestre Ziza, o professor Zizinho.

Maracanã era o palco das grandes disputas. Nessa passarela, desfilaram grandes astros da arte jogar bola: Garrincha, Pelé, Gerson, Castilho, Pompeia, Gilmar, Nilton Santos, Zózimo (campeão do mundo no Chile, em 1962, formando dupla de área com Mauro Ramos, que tomou a vaga do capitão Belini), Zico, Roberto Dinamite, Telê, como jogador e técnico, e técnicos da competência de Flávio Costa, Aymoré Moreira, que dirigiram a seleção brasileira, além do folclórico Gentil Cardoso, autor de hilariantes frases, como “craque trata a bola de você, não de excelência”, ou “quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. E a música popular exaltava: “Vai haver mais um baile no Maracanã.” Todos iam pra lá. Enquanto nós por aqui ficávamos no rádio, ouvindo as transmissões feitas pelo grande Oduvaldo Cozzi, que, para alertar que o jogo estava chegando ao fim, referia-se à última volta dos ponteiros.

No mundo, lá fora, a moda e os costumes se incendiavam. O duque e a duquesa de Windsor, Edward VIII e Wallis Simpson, se envolveram sentimentalmente, enquanto Wallis ainda era casada com o seu segundo marido, Ernest Simpson (para os anos 50, um escândalo universal). Os tempos já eram outros. Windsor deixou de ser príncipe e passou a duque, pelo amor à plebeia Wallis. Os dois representaram o glamour romântico de uma época, em que Katharine Hepburn revolucionava a moda com um estilo masculino de se vestir, rompendo todos os códigos que estabeleciam regras inflexíveis da elegância feminina. Surge então Christian Dior, a criar vestidos que se amoldavam às curvas do corpo elegante da mulher. Nessa explosão revolucionária, vem a invenção mais importante depois da bomba atômica: o biquíni, as famosas duas tiras endeusadas no corpo de Brigitte Bardot. Com destaque ao vestido de noiva de Grace Kelly, quando, no casamento do século, uniu-se, em 19 de abril de 1956, ao príncipe Rainier de Mõnaco, renunciando à vida artística. Uma pena! Ela era artisticamente linda!

Mas, em pleno Maracanã, perdemos a copa de 50, ante a perplexidade de 200.000 torcedores, que estiveram no estádio. Dia do sofrimento: 16 de julho de 1950. Gol do uruguaio Ghiggia. Ainda assim, esqueçamos o complexo de vira-lata, na expressão sarcástica de Nelson Rodrigues. Os anos 50 são a bossa nova, o cinema novo, a poesia concreta, o gesto heróico de Getúlio, denunciando as aves de rapina, que ainda voejam por aí; são Juscelino, 50 anos em 5, Éder Jofre, o Galo de Ouro, Maria Ester Bueno, a rainha de Wimbledon, o início da industrialização do país, a conquista de 58 na Suécia, com Pelé e Garrincha. Enfim, a década de 50 se constitui no passo definitivo para expurgar de nossas entranhas esse nefando complexo de vira-lata. Infelizmente, veio 64, um desastre institucional. Vade retro.

* Membro da AML e AIL
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