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06/08/2022 às 00h00min - Atualizada em 06/08/2022 às 00h00min

UM “SALRGENTO” MUITO ESPERTO

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
“Esperto”, uma antiga linguagem policial do baixo clero queria dizer: “malandro”, “sabido”, “escorregadio”, “safo”.  Falar que o cara era “esperto”, já sabia, não tinha para mais ninguém. Nos arrabaldes da capital, aquele trecho – além de ser o maior gueto de prostituição a céu aberto e outras perversidades do gênero, entremeadas, também moravam famílias humildes e simples, isentas - alheias a tudo aquilo ali. Era uma homogênea “mistureba” do social

Naquele setor havia personagens memoráveis. Tinha a Dona Perpéta, a dona do chatô. Chatô, uma casa do comércio de prostituição e mulheres. Perpéta mantinha o seu negócio com mão de ferro. A “CHAVE” DO QUARTO era paga antecipadamente. As mulheres que supostamente comiam e bebiam por conta da casa, acertavam as contas ao final da semana e tinham o dever dar renda, fosse na bebida, fosse na chave do quarto e, o sujeito se quisesse sair, dar uma volta extra com a “moça”, tinha que pagar a “chave”, após prévia permissão da dona do chatô.

Só o CABO LARANJEIRA que dava uma de segurança da Dona Perpéta. Com um punhal enfiado na cinta e um trezoitão carregado e sua “cara de maracujá-de-gaveta” - esse bebia de graça. Cabo Laranjeira com fama de já ter “despachado não sei quantos”, com a mão direita batia no ombro esquerdo e ruminava: ” Aquele que derrubar as minhas duas lapas vai morrer”. Aquilo não seria novidade pra ninguém pois que, segundo diziam o cabo “tinha não sei quantas *** nas costas”

No bairro tinha o LAMBADA. Uma cara forte, vozeirão, pinguço. Tinha uma perna amputada, andava com um par de muletas. Só mais de meio século depois, ouvi dizer que LAMBADA fora soldado da polícia. Certa manhã, porque sim ou por que não, LAMBADA chutou uma banca de café. E lá se foi tudo ao chão. A dona da banca vítima de tamanha desmoralização e desfeita, franziu a cara, olhou na cara de Lambada e disse: “Com essa perna tu nunca mais chuta uma banca de café. E nem mais nada”.  Deu no que deu. Eu hem?!

Aliás que nessa época, à qualquer entrevero, logo vinha um contra-golpe: “Eu ainda vou mijar na tua sepultura”. Brabo mesmo era quando o sujeito prometia: “Vou botar um sapo no teu bucho”. Aí neguinho “arregava” (pedia arrego) ora se não!  E o que tinha de mulheres latanhadas no rosto, com cacos de garrafa por conta de brigas e disputas de seus homens?! Isso era constante. E o “buraco-do-tatu”? Ali era uma central da gonorreia. Cruz credo!...

Naquela ruazinha estreita, de terra, justo nesse gueto, havia uma viúva, sambada, cansada da guerra. Na batalha, ela tinha uns dois cômodos em sua casa que servia discretamente aos seus fregueses e suas acompanhantes. Seletiva, que ela se metia. Também servia uma cervejinha estupidamente gelada e, conforme o freguês, ainda servia uma galinha caipira ao molho pardo - que é comida de gente boa!

Em meio a seus fregueses tinha um cara esperto”, um SALRGENTO DOS QUARTEL, um cara corpulento, vestido nos panos, que por volta das três e meia quatro da tarde, no meio da semana, costumava aparecer ao lado de sua acompanhante - uma morena, nas mesmas proporções. De regra, ele chegava pela rua de terra, ao lado da sua quenga, enfiava-se naquela “casa de família” daquela viúva cansada da guerra, e logo de chegada, para não perder tempo, mandava preparar uma galinha ao molho pardo e enchia a pança com cerveja estupidamente gelada.

Na radiola tocava só as suas prediletas: Bienvenido Granda, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Ângela Maria, e outros do mesmo naipe, tudo na discrição. Música ambiente. O SALRGENTO DOS QUARTEL, ali, era a maior honraria daquela “casa de família” daquela viúva cansada da guerra, naquela ruazinha estreita, de terra; ela que exibia a sua cara de felicidade, garantia e segurança, tendo o SALRGENTO como seu cliente fiel e predileto. Dona Rosa era uma senhora de boa idade, sambadona, morava só. Era amiga da viúva. Dona Rosa engalanava-se com as honrarias do SALRGENTO DOS QUARTEL. Enchia a boca de SALRGENTO e nem cuspia ao chão.

Ao fim da farra, lá pelas cinco da tarde ou pouco mais adiante, SALRGENTO esperto, safo, maneiro, pra não dar mancada, saía com a sua parceira pela outra rua - uma rua asfaltada, fazendo o caminho de volta. A pé, como sempre. Ora se ele chegou ali lá pelas três, três e meia da tarde pela ruazinha de chão, iria voltar pela mesma rua? Isso nunca! Neguinhos e neguinhas iriam olhar pra sua cara e pra cara de sua parceira e pensar coisas e imaginar coisas e... até falar coisas. E haja bagaceira!  SALRGENTO SAFO, não dá mancada nem bobeira. E então ele voltava pela outra rua, que era para não dar chance nem para os faladores nem para as faladeiras.

* Viegas questiona o social.
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