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06/08/2022 às 00h00min - Atualizada em 06/08/2022 às 00h00min

De golpes e contragolpes faz-se a história da pátria amada

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
7 de setembro vem aí. Espera-se que essa data comemorativa da Independência não seja transformada numa fanfarronice de exibição bélico-militar, sob os auspícios do capitão do Planalto, para que não se tenha mais uma nódoa em nossa história, que relembre, apenas como paródia, o título de uma das grandes obras da literatura brasileira: Memórias de um sargento de milícias.  Para capitão de milícias.

Há quem não suporte essa conversa sobre democracia. E justificam, sustentando com absoluta veemência, que essa repetida história de democracia é coisa de comunista. Mas, gostem ou não gostem, convenhamos, desde os gregos, muitas foram as definições de democracia. Na Grécia antiga, Clístenes, que era um aristocrata, implantou reformas no sistema de governo, dando origem à democracia em Atenas. Lincoln definiu-a como governo do povo, pelo povo e para o povo. Churchill, mais incisivo e com a fama histórica de ter derrotado o nazismo de Hittler, conceituou-a como a pior forma de governo, com exceção de todas as demais. Norberto Bobbio, pensador italiano, ao referir-se ao poder invisível, afirma que a democracia é idealmente o governo do poder visível, isto é, o governo cujos atos se desenrolam em público e sob o controle da opinião pública. Ou seja, nessa concepção, esse regime de governo não admite, em hipótese alguma, orçamento secreto ou gasto do dinheiro público em segredo. Tudo às claras, incluindo os gastos de cartão corporativo de quem esteja no exercício transitório do poder.

Todavia, é bom que se diga que nada impede que todos esses conceitos desse secular regime de governo possam ser admitidos. A mim interessa a concepção de Bobbio, porquanto distingue na democracia o poder visível do invisível. Na primeira hipótese, tem-se, como ideal de governo, a democracia se contrapondo a qualquer forma de autoritarismo, que encubra as ações do governante dos olhos vigilantes e críticos dos governados. Na tragédia grega, cita Bobbio que Tasso faz dizer a Torrismondo que “confiados ao vulgo insensato, os segredos de Estado não estão bem guardados”. Nem a democracia estará.

E também, ao tratar do poder invisível, Bobbio acentua que esse “se forma e se organiza não somente para combater o poder público, mas também para tirar benefícios ilícitos e extrair dele vantagens que não seriam permitidas por uma ação à luz do dia”. A transparência dos atos de governo, na democracia, é que faz com que as instituições de um país livre possam durar por muito tempo, vencendo todos os perigos decorrentes dos conflitos institucionais. Todo governo autoritário contém, em si, esse poder invisível, que se volta contra as instituições do Estado, ao insurgir-se, de início de forma velada, sub-reptícia, e, em seguida, agressivamente, às claras, contra a liberdade, fixando restrições de toda e qualquer natureza. Ainda bem recentemente, o povo brasileiro viveu essa situação autoritária, de restrição dos direitos fundamentais, como o sagrado direito de liberdade, inclusive do exercício da cidadania pelo voto, com a ditadura militar implantada, sob o sofismo de combater o sindicalismo e o comunismo, este sempre uma justificativa do improvável para os sucessivos golpes ou contragolpes.

O poder visível, a que Bobbio destaca, se constitui em tudo aquilo em que há interesse que do conhecimento público, enfim ao conhecimento dos cidadãos que se preocupam com o exercício amplo dos seus direitos. O invisível é sub-reptício, acobertado pelo autoritarismo, constituindo-se nos “segredos de Estado”, cuja vida e sobrevida se encontram na penumbra do poder sem freios e contrapesos. E quem o tornar público passa a ser inimigo número um daquele que exerce o poder estatal. Bobbio chega a afirmar que sempre haverá um poder invisível contra o Estado democrático. Portanto, todo cuidado é pouco.

Mas é o próprio Bobbio quem afirma: “Em um regime democrático é absolutamente inadmissível a existência de um poder invisível que atue paralelamente ao poder do Estado, ao mesmo tempo dentro e contra, que sob certos aspectos é concorrente e sob outros é conivente, que emprega o segredo não para abater o Estado mas tampouco para servi-lo, que se vale dele principalmente para evitar e até violar impunemente a lei, assim como para obter favores extraordinários ou ilícitos”.E acentua: “É um poder que pratica atos politicamente relevantes sem ter qualquer responsabilidade política sobre eles, mas, ao contrário, procurando escapar por meio do segredo até mesmo das mais normais responsabilidades civis, penais e administrativas.”

Dito tudo isso, e com a nossa história repleta de golpes e contragolpes, isso desde 7 de setembro de 1822, quando já em 1823, Pedro I, autoritariamente, mandou o seu aparato militar cercar, tomar e fechar o prédio da Assembleia Constituinte, para, no ano seguinte, outorgar a Constituição de 1824, nela incluindo o famigerado Poder Moderador. Daí em diante, com as exceções que todos conhecem, sempre há um aparato militar para se assenhorar do poder, e sempre e sempre damos com burro n’água.  É só dar uma rápida olhada na nossa conturbada história.

*Membro da AML e AIL.
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