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26/09/2020 às 00h00min - Atualizada em 26/09/2020 às 00h00min

Ruth Bader Ginsburg

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]


Não seria ela a ser indicada para a Suprema Corte dos EUA. Havia outras preferências, apoiadas em forças políticas com pesadas influências perante o presidente Bill Clinton, como, à época, em 1993, tinha o veterano senador Ted Kennedy. Ruth Bader Ginsburg era a sétima na ordem de preferência  de Clinton. Seu nome veio surgindo com algumas esporádicas manifestações, enquanto os preferentes eram alijados, ou porque não tinham interesse de ir para Suprema Corte, ou porque, por alguma razão, desagradaram o presidente democrata dos EUA. No curso da tão difícil escolha, há referência do ex-reitor da Faculdade de Direito de Harvard e Advogado-Geral, Erwin Griswold que havia dito que Rute Ginsburg estava para os direitos das mulheres assim como Thurgood Marshall estava para os direitos civis.

Após encontros e desencontros, descartado o último nome cogitado pelo presidente Clinton, numa tarde, anunciou a escolha daquela que fora advogada, atuando em constante cruzada cívica, em defesa dos direitos das mulheres, entre os quais o aborto, cuja decisão da Suprema Corte (Roe vs. Wade), até os dias atuais, ainda acende a resistência conservadora ligada ao Partido Republicano.

Em 1982, o presidente Carter a nomeou para o Circuito D.C., a segunda corte mais importante do país. A atuação de Ginsburg nesse tribunal de apelações não foi bem acolhida pelos liberais, sobretudo nas questões criminais. Chegou, em escritos acadêmicos, a criticar Roe vs.Wade, o que causou desconfiança a sua pessoa por aqueles com uma concepção mais aberta às conquistas da mulher. Mas, como advogada, teve grande sucesso nas causas que defendeu, vencendo sucessivas demandas na Suprema Corte, onde expôs fortes e convincentes argumentos.

Era uma mulher de estatura pequena, porém aguerrida nos embates jurídicos. Escolhida por um presidente democrata, para compor a maior Corte de Justiça norte-americana, manteve-se fiel às idéias liberais do Partido Democrata. Resistiu ao câncer o quanto pôde, pois não era seu desejo que, com a sua morte ou renúncia, fosse substituída pelo presidente republicano Trump, um conservador. Queria ser substituída pelo próximo presidente a ser eleito. Aos 87 anos de idade, não resistiu a essa destrutiva doença. Morreu. E a próxima nomeação de Trump, um elitista conservador, poderá alterar a regra mais importante da Suprema Corte: a regra cinco, até agora operando em favor dos liberais democratas. O que é essa regra? A Suprema Corte dos EUA é composta de nove juízes. Nas soluções das questões mais ideológicas, como o aborto, prevalece quem detiver a maioria: cinco votos.

A escolha dos seus componentes é extremamente política, a depender do republicano ou do democrata que estiver no comando do poder executivo. O presidente escolhe nome de seu interesse e o encaminha para aprovação ou não do Senado. No caso de Ruth Ginsburg, as audiências duraram cerca de três dias, tendo a sua indicação recebido boas críticas e sendo confirmada por uma votação de 96 a favor e 3 contra. A aprovação de Ginsburg refletia a política de moderada a liberal do presidente que a escolheu, assim moldando a Corte de acordo com as suas próprias visões, com a possibilidade de dominar a regra dos cinco votos, que representa o quórum majoritário das decisões.

A justiça norte-americana é bem diferente da brasileira, com nomeações políticas e eleições de magistrados. E, como o sistema partidário, na prática, é composto pelos democratas (liberais) e republicanos (conservadores), essa dialética que se processo na relação de poder, tem reflexos na composição da Suprema Corte, com os partidos políticos se revezando na nomeação de juízes que a integrarão, fixando como parâmetro de escolha a concepção partidária do escolhido. Fortes motivos fizeram com que a juíza da Bader Ginsburg resistisse ao máximo, para que sua vaga fosse preenchida num próximo governo, possivelmente democrata. Mas não deu.

Essa luta, no sistema norte-americano, entre liberais e conservadores está fincada nos seus primórdios. Em 1967, o presidente Johnson nomeou para a Corte o afro-americano Thurgood Marshall, um advogado negro ativista, que pôs a sua vida e a profissão em defesa dos direitos civis. O primeiro negro a compor esse mais alto cargo da justiça norte-americana. Portanto, um liberal, que fez da advocacia uma bandeira de luta pelos direitos civis dos negros, vencendo grandes batalhas jurídicas. Ruth Ginsburg e Marshall representam, nessa luta pelos direitos dos oprimidos (e as mulheres eram, e ainda são), essas opções que muitas vezes podem enriquecer um sistema de justiça, sobretudo num país em que o direito é construído (common law) a partir de uma visão interpretativa aberta da Constituição.
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