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09/07/2022 às 00h00min - Atualizada em 09/07/2022 às 00h00min

OS SAPATOS DO MEU FILHO

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.



O decano e ilustríssimo Professor Wady Sauaia foi o maior homem – em carne e osso e intelecto e intelectualidade e prosperidade sobre a face da terra que os meus olhos já viram. Leu todos os autores nacionais de nomeada. Lia seis livros simultaneamente. Tinha todos os Códigos e leis na cabeça! Sabia tudo e muito mais! Era um monstro sagrado! Quando por volta do início dos anos 1970, ele perdeu o seu filho San Martin num acidente de trânsito, mestre Sauaia desmontou-se em si memo. Perdido em seus horizontes, ele passou a escrever poemas e crônicas em homenagem a SAN MARTIN – que ele os publicava na imprensa da capital.

Ainda que num outro viés, vivo eu agora os dias do mestre Sauáia. Vejo agora o quanto “o mundo dá volta e a vida continua”, um verbo que ouvi numa ocasião da vida, meados de 1960 (faz 62 anos) e que tenho dele feito, ao longo desse tempo um axioma na minha vida. Tanto assim que, ao encerrar uma conversa, ou um texto ou me despedir de alguém em qualquer ocasião, logo vem a velha frase que me acompanha: “... e a vida continua”. E quando isso acontece, creia, algo se rejuvenesce em mim. É a vida que em mim se rejuvenesce!

Semana passada fui espancado de súbito quando fui informado que o meu filho RENNÉ fora envolvido em um grave acidente de trânsito. Socorrido pelo SAMU, estava a caminho do Hospital. Traumatizado ele lá e ainda por chegar e traumatizados cá, todos nós:  Família, amigos, colegas... O momento de espera à porta do Hospital era difícil, angustiante, irrequieto. Enfim chegou o meu menino, 42 anos, na ambulância/SAMU, Em seguida o meu garoto foi levado para uma sala do tipo “primeiro antedimento”. Familiares e amigos aos poucos dele se aproximavam, intercaladamente, dois por vez.

*Quando da minha vez, brinquei com ele como brincava quando ele criança: “Meu culuminzin, meu culuminzin!!!” – é uma senha da nossa intimidade. E ele aos dois, três quatro, quinze, 20, 30, 40 anos de idade. E até hoje. Ele sorriu. Depois queixou-se de dor na coluna. E gemeu.  Em seguida, desconcentrado, deixei a margem do seu leito e fiquei ali pouco mais adiante qual um bicho do mato, assim um tanto fora dos próprios sentidos. Foi quando vi, logo ao lado... ... OS SEUS SAPATOS. Foi vendo aqueles seus sapatos, pé esquerdo um pouco mais forçado pela anatomia e pelo uso, do lado esquerdo, quando caí novamente em mim para entender que aqueles SAPATOS, volumosos, bom tamanho, bem ali, naquele local, àquela hora, tinha algo de errado com o meu CULUMINZIN.

Bem ali fechei os olhos. E me pus em retrospectiva vendo e ouvindo ao meu filho, desde a sua gestação, o seu nascimento, seus primeiros dias, suas movimentações pelo chão, e no “andajá”, até empinar-se, apoiar-se na estante, mudar os passos e, mexendo, quebrar louças e cristais na estante, ao seu alcance. Era uma zoada da mãe! E eu dizia a plenos pulmões: “DEEEIXA QUEBRAR”. E justificava: Sinal de que o menino além de bonito é saudável e está exercendo suas atividades psicomotoras. E isso é legal!! Glória a Deus!!! E então repetia: ”Deeeixa quebrar”. E eu ali, feliz da vida, vendo aquele molequinho, ainda nos cueiros, bem cuidado, zelado, cheiroso, que eu cheirava e mordia e jogava pra cima e arrastava-o ao zelado chão do taco (de madeira) da nossa casa. Nesse rastro do pensamento, “o sono me roubou”, que era como o meu pai dizia.
 
Pouco depois quando acordei, o meu pensamento e os meus olhos foram diretos aos seus SAPATOS, que estavam no mesmo lugar. Isso, já era uma onze da noite. Logo, a equipe de limpeza estava a serviço. Então peguei aquele par de sapatos e coloquei-o debaixo do leito hospitalar, quando o meu menino àquela altura já estaria numa outra sala, à disposição do serviço de “atadura”. Encaminhado ele, mais tarde a um apartamento, tivemos que deixar o Hospital.  E só depois me arrependi: É que eu deveria ter carregado, levado comigo, aquele par de SAPATOS.

No dia seguinte quando me refiz, logo procurei saber: “... E OS SAPATOS DO RENNÉ?”  – “A Maria Catarina (sua filha), levou pra casa”, foi como fiquei sabendo. Bem ali eu disse para os meus botões e para a minha pouca fé: Tem nada não: *Deus proverá.  E a vida continua!!!*

- Viegas questiona o social.  E-mail: [email protected] – WhatsApp: 99 98265-4058
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