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02/07/2022 às 00h00min - Atualizada em 02/07/2022 às 00h00min

A Efetiva Proteção do Consumidor

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Foi uma longa caminhada, e ainda estamos a caminhar, para que o consumidor tenha a efetiva proteção da sua vulnerabilidade. Historicamente, tem-se informação que as Ordenações Filipinas continham normas de proteção ao consumidor, cuja sanção, para o transgressor, era de natureza penal – a pena de morte. A sua finalidade era intimidativa. Na Constituição de 1934, encontra-se referência a direitos do consumidor, fixando a competência da União para legislar. A consagração máxima se deu com a Constituição de 1988, que erigiu essa proteção à categoria de direito fundamental, albergando no Título II, Capítulo I, dos direitos e deveres individuais e coletivos, no art. 5º, inciso XXXII, da defesa do consumidor, ao determinar que o Estado a promoverá, na forma da lei.

E não é só. Em algumas passagens fundamentais da nossa Carta Republicana, encontram-se regras que dão sustentação à defesa desse sujeito de direitos subjetivos, que, na relação consumerista, é a parte, por ser vulnerável, que precisa ser protegida. Além dessa fundamental regra de proteção, há outras que têm como centralidade a figura do consumidor, como ocorre com art. 170, inciso V, que, ao estabelecer os princípios gerais da atividade econômica, cujo escopo assegura a todos existência digna, inclui a defesa do consumidor. E o art. 24, inciso V, que dispõe sobre a competência legislativa concorrente (União, Estados e Distrito Federal), referente à produção e ao consumo.

Como se deduz, a partir do exame dessas normas constitucionais, aditando-se a esse entendimento o princípio maior – espécie de superprincípio -, que não pode, nem deve ser ignorado, visto ser fundamento maior da República brasileira, há a proteção da pessoa, por força da centralidade principiológica da dignidade da pessoa humana. Nesse caminhar, como ensina Antônio Carlos Efing, em sua substanciosa obra Contratos e Procedimentos Bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 42, a “conseqüência direta dessa tutela constitucional do consumidor é reputarem-se inconstitucionais e incompatíveis com a atual ordem jurídica todas e quaisquer normas infraconstitucionais que visem a obstaculizar a defesa dos direitos do consumidor”. Como decorrência, o ser humano, como pessoa de direito, passa a ser o centro das atenções, quanto aos seus direitos, referentemente ao Estado, como legislador ordinário, bem como no exercício da função jurisdicional. Isso em razão de que o constituinte brasileiro reconheceu a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de sua proteção, fixando essa sua preocupação não só no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, mas no art. 170, inciso V, como fundamento da dignidade da pessoa humana e da ordem econômica.

Ainda nessa perspectiva, é que entendo que a Súmula nº 381 do STJ, que estabelece limite quanto à declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva, é inconstitucional, porquanto cria um sério obstáculo à defesa do consumidor, ferindo o direito fundamental deste, que, conforme lição de José Afonso da Silva, foi alçado à categoria de titular de direitos constitucionais fundamentais. Por isso mesmo, entendo que, em razão desses fundamentais, ao serem dirimidas questões relacionadas a consumo, as regras e os princípios, como os direitos básicos do consumidor (art. 6º, CDC), não podem ser tergiversados, sob pena de se estar negando vigência à Constituição Federal.

O direito como regra de convivência não deve fugir do seu mundo – o mundo que tem como centralidade o ser humano e sua dignidade. Em belíssima lição de André Perin Schmidt Neto, na sua obra Revisão dos Contratos com base no Superindividamento, Juruá, 1. ed., 2012, p. 128, faz essa advertência: “Inspirado na crescente ideia da socialização do direito e no do dever de solidariedade levantado por Duguit, Ramon Badenas Gasset, acompanhado de Loveau, leva em conta a ideia de considerar os egoísticos interesses particulares como inferiores aos interesses sociais, sustentando que o desenvolvimento da noção de proteção à coletividade impede que, nos dias atuais, alguém seja levado à ruína por contratar.” Cai por terra, com o exaurimento da pacta sunt servanda, o velho axioma de que o contrato faz lei entre as partes. O que faz lei entre as partes é a livre e consciente manifestação da vontade. Daí a cláusula rebus sic stantibus, que serve para corrigir, entre outros males, a onerosidade excessiva, ou os abusos contratuais, decorrentes dessa ânsia desenfreada do ganho à custa das necessidades do mais carente.

O jurista Fernando Noronha, na sua célebre obra Direito das Obrigações, Saraiva, 3. ed., 2010, p. 365, ao tratar das fontes das obrigações, no item Lei não é fonte, afirma: “...nas obrigações contratuais o dever de prestar derivaria do acordo de vontades, não da lei”. Num sentido formalista, pode-se considerar a lei como fonte. Mas a verdadeira fonte do direito é o fato social – o fato social jurídico. Exemplificando: a família, formada da convivência estável, só recentemente veio a ser reconhecida pela lei, porém decorreu de um fato social jurídico, donde o direito advém. Do mesmo modo, o reconhecimento dos direitos do consumidor, os quais não podem ser olvidados nas decisões judiciais, sob pena de ser negada a vigência da Constituição Federal, que os consagra como direito fundamental.

Membro da AML e AIL
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