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07/05/2022 às 00h00min - Atualizada em 07/05/2022 às 00h00min

“Sou eu, não temais”

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Cristo, o Filho de Deus, que veio a este nosso mundo controvertido e conturbado, para nos ensinar a amar o próximo, como se ama a si mesmo, é Ele mesmo quem nos diz que é a verdade que esclarece e liberta (Jo 14,6), a luz que ilumina a nossa vida (Jo 8,12) e o caminho que nos leva à felicidade (Jo, 14,6). Nascido de Maria, a bem-aventurada virgem de Nazaré, aprendeu com ela e com o pai terreno, José, um simples carpinteiro, mas o justo, as coisas da vida, mas advertia que era, desde sempre, Filho do Deus vivo (Mt 16,16), e, portanto, amigo nosso e companheiro de todas as horas. Aprendi muito, em que pesem as minhas humanas fraquezas, seguindo as suas lições, transmitidas desde bem criança pelo meu avô, um simples carroceiro.

A importância de Jesus Cristo em nossa cultura religiosa é transcendental. Fora os que creem nele como Filho de Deus, há aqueles, e não são poucos, que não o têm como o Messias, enviado pelo Pai ao mundo para nos salvar e nos libertar da opressão; há os que entendem que Ele foi um grande profeta, numa época em que o exercício do poder fomentava, na sociedade de então, uma profunda desigualdade, que, ainda nesta dimensão social e política, nada mudou; bem pelo contrário, piorou, e muito: com uma grande massa de miseráveis e pobres e uma ínfima quantidade de privilegiados e ricos. Só que, no tempo de Cristo, havia apenas um Pôncio Pilatos, o governador da província romana da Judeia. Nestes tempos atuais, são milhares, milhões, que lavam as mãos ante a miséria e a forme que se alastram pelo mundo. Do mesmo modo, não há apenas um Judas, o traidor e o canalha, que, embora previsto pelo próprio Salvador, fez a sua negociação espúria em troca de trinta moedas de prata. E ainda deu o beijo da traição. Há milhões de Judas. E as trinta moedas de prata não são mais pagas na escuridão das noites turvas, mas à luz do dia, sob os argumentos mais “convincentes” para manter-se a alcoviteira convivência com o poder dominante e destrutivo. Não mais são recebidas em sebentos sacos. Mas em depósito de contas bancárias secretas, ou de favores, cobrados e concedidos à luz do dia. Os fariseus, que cumpriam a “lei” (deles), diziam que criam em Deus, porém odiavam Jesus. Viviam uma vida faustosa, às custas de negociatas com a mercancia que se instalara no templo. Cristo, pela primeira e única vez, perdeu a paciência e expulsou os vendilhões, que ainda se alastram por este mundo de estelionatários.

Jesus pregou para seus discípulos e para o povo humilde, que o acolheram com veneração. Compadeceu-se das prostitutas. Perdoou-as. Há uma passagem do evangelho que conta esta história: “Chegada a tarde, os seus discípulos desceram à margem do lago. Subindo a uma barca, atravessaram-no rumo a Cafarnaum. Era já escuro, e Jesus ainda não se tinha reunido a eles. O mar, entretanto, se agitava, porque soprava um vento rijo. Tendo eles remado uns vinte e cinco ou trinta estádios, viram Jesus que se aproximava da barca, andando sobre as águas, e ficaram aterrorizados. Mas ele lhes disse: ‘Sou eu, não temais’.” E a barca venceu a tempestade e chegou ao seu destino. Sou eu, não temais, ele exortou. E a travessia, nas horas de tormentos, deve ser sempre feita com Ele, sem o temor das mentiras, das tramas, da traição, da sanha  cruel dos poderosos.

A barca da vida de todos nós singra por mares calmos e procelosos. Joga-nos de um lado para o outro. Como Judas, nem por isso, devemos nos vender por trinta moedas de prata. Nem negar uma, duas ou três vezes a ética da firmeza que sustenta as nossas virtudes ou os nossos defeitos. Estamos sujeitos a todas as provações, adversidades e tempestuosidades, previstas ou previsíveis, que devem ser superadas, mesmo que, em alguns momentos, com o temor de não vencê-las, recorra-se ao Filho de Deus, que nem sempre nos dá uma resposta imediata. E, no seu silêncio, Ele nos diz, a cochichar nos nossos incrédulos ouvidos; “Sou eu, não temais”. Assim, vencendo o vento da incerteza, do imprevisto, da incompreensão, da mentira, do enxovalho à honra, da traição, chega-se ao destino. Todos nós chegaremos a esse fatal destino. Alguns cabisbaixo, casmurro, voltado para si mesmos; outros, de cabeça erguida,  com o dever moral e ético cumprido, sem ter nunca comprometido a sua honra com quaisquer estigmas, a troco de favores ou de vis moedas de prata.

Gonçalves Dias, esse monumental poeta, de profundo lirismo, que engrandeceu o Maranhão, cantou, em Canção do Tamoio, esse canto épico e eterno de luta: Não chores, meu filho; / Não chores, que a vida / É luta renhida: / Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos / Só pode exaltar.” Esse bardo caxiense, considerado o maior poeta brasileiro, teve a premonição de ver a vida como luta renhida e o viver como lutar. Desde os bancos do Grupo Escola Sotero dos Reis, a minha geração aprendeu muito com esse vate indianista, porque a vida lhe foi sempre um combate, sem que o abatesse. Nessa travessia, a vida me ensinou a ser forte, para vencer o vento rijo e, com pungentes remadas e muitas noites acordadas, poder levar o barco ao seu destino. Sem o conformismo da desonra, sempre confiei neste Cristo, que é a vida e ressurreição . E, nas minhas conversas com Ele, a sua voz repete esse canto de fé: “Sou eu, não temais.” Obrigado, eis a minha resposta. Ajudou-me a vencer a insensatez, os estigmas, derramados sobre uma vida de luta renhida. Mas viver é lutar.

* Membro da AML e AIL
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