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23/04/2022 às 00h00min - Atualizada em 23/04/2022 às 00h00min

“O SALRGENTO DOS QUARTEL”

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
O Bairro do João Paulo, na capital – antiga periferia distante do centro,  anos  quarenta, cinquenta e mais adiante, foi em todos os tempos o maior reduto  da prostituição – da baixa prostituição - em larga e desenfreada escala. Falou que era o João Paulo, o estigma já saltava lá em cima. Era lá onde o bonde fazia a curva. Quer dizer, o  RÔDO.

O ambiente no entorno do RODO (curvas paralelas de trilhos do bonde), era iluminado à noite. Tal iluminação, despertava a que dezenas de prostitutas daqueles arredores do bairro fizessem “ponto” nas imediações do RODO, do bonde. Atraídas pela iluminação, também eram chamadas de “mariposas”. Daí que o ponto da curva do bonde, o Bairro, e toda aquela cercania tornou-se propalado e conhecido como O RODO. O RODO, expressão pejorativa era, então, a  baixa prostituição que ali se alastrava por todos os lados, todos os cortiços, todos os socavões. Todos os botecos de pinga, todos os cabarés. Tinha até uma “musiquinha” que eu não outro transcrever.

No Bairro do João Paulo havia locais pontuais de fervilhante prostituição, tais como: “O Buraco do Tatu”, em que havia dezenas de míseros cortiços em palha e chão batido, um inóspito e ignóbil  labirinto, onde pululava o uso e tráfico de droga, o alcoolismo, a violência com mulheres que latanhavam e cortavam o rosto de outras mulheres de posse do gargalo da garrafa – (o que era histórico). Havia também os cafetinas, cafetões e os famosos rufiões – GIGOLÔS -  que exploravam as prostitutas, suas amantes. Delas se serviam e ainda usurpavam o seu dinheiro ganho na noite. Enfim uma promiscuidade gritando nas alturas.

No João Paulo tinha o famoso CHATÔ DA PERPÉTA. Era uma casa de mulheres que comiam e dormiam à custa da dona, mas, em contra partida, tinham que dar lucro fosse com bebida (ainda que falsa bebida), bem como a CHAVE que era o custeio da “estadia” para o acasalamento promíscuo  – em que as pessoas ora cruzavam-se nos corredores; ora ficavam frente-a-frente nos quartos do CHATÔ, servidos por pequenas bacias, toalhinhas e sabonete coletivos. A CHAVE era paga antecipada, “antes do uso”, todos deveriam saber disso.

DONA PERPÉTA, cinquentona, olhos zuis, falastrona, governava aquilo com MÃO DE FERRO. E... Cabo Laranjeira com fama de quem já tinha “não sei quantas mortes nas costas”, dando uma de segurança da PERPÉTA,  volta e meia nos finais de semana, bebia  todas. E, de cara cheia, todo mal ajambrado, trezoitão  na cintura, valente que era, ele vociferava: Batia a mão direita na altura da sua omoplata esquerda e dizia no asco de seu bafo: “Aquele que derrubar as minhas duas lapas vai morrer”. E assim viviam homens e mulheres, envolvidos nos panos do sexo vulgar no Bairro do João Paulo, expostos, às VENÉREAS que eram tantas...

Naquela ruazinha de terra, escrota, que saía da correnteza da água suja que passava ao lado  quintal da “Velha Perpéta”, paralela à Rua da Vala, esta de esgoto a céu aberto, passando ao lado de um sofrido “conjunto de uns oito quarto de mulheres”  e seguia  reta pras bandas dos Barés (sei lá o que). Tinha um  disfarçado CHATOZINHO  - modesto, simples discreto, que o Zé Povinho e faladeiras donas de casa das cercanias, ora nas portas, ora  nas janelas, ficavam de olho comprido e  só “metendo a língua”. A dona era uma viúva sambada, um tipo aposentada  da guerra, que se agasalhava em sua casa própria, um tipo na dela que descolava um dinheirinho com aquela serventia do seu dissimulado chatô.

Volta e meia,  começo de mês, por volta de três, quatro da tarde,  ali costumava passar a pé um *O SALRGENTO DOS QUARTEL* um homem bem vestido (para os padrões do bairro), roupa engomada, mangas compridas, parcialmente esgarçadas, um tipo meio-grandalhão, na dele, ao lado de uma morena com as mesmas proporções, vestida para a ocasião, num discreto “love da próquia”. O casal ia direto para aquele disfarçado CHATOZINHO, de onde retornavam pela outra rua, com a mesma discrição. Esfalfados do seu pecado...

Consta que entre as honrarias da casa, o milico era servido em caráter VIP e  preferencial, à base de cerveja estupidamente gelada, música discreta e a gosto, em radiola e disco de vinil, além de ambiente exclusivo e... galinha caipira ao molho, consoante era do seu tradicional pedido, ao fim do mês.  Ao passo que a dona da muvuca, orgulhava-se e sorria com as paredes diante do respaldo e da “autoridade” do seu freguês que era o *SALRGENTO DOS QUARTEL. Sentia-se protegida, homenageada, acima do bem e do mal. E dona Perpéta, pouco ali adiante, com o seu Cabo Laranjeira no prestígio e na segurança, perdia era feio!

A esse tempo Dona Rosa, era uma  “sendeira” de serviços eventuais: Um tipo viúva, faladeira da vida alheia que volta e meia tomava seus grogues e vivia falando que as filhas dos outros estavam “dando as carnes”. Dando as carnes? Cruzes!!! No que explicitamente reprovava. Logo ela, quiçá por suas frustrações que também tinha uma filha lindééééééérrima toda, mediana, morena,  disposta, acesa e portátil, que... também...  estava “dando as carnes”.

E aí Dona Rosa, abeberando-se da “autoridade” do milico, – aqueeele que quando à paisana passava todo vestido nos panos e engomado - até parece que tirava proveito e orgulhava-se da sua sombra, de sua farda, de suas “três lapas”. E  entre orgulhosa e cheia de razão com umas três pingas no juízo, escarnecia as filhas dos outros que  estavam “dando as carnes”; elas que já “não eram mais moça” e estavam só em “capa de moça”. (Taí que a esse tempo eu não sabia dessa adjetivação de Dona Rosa: “Capa de moça”.!!!???

Aí Dona Rosa enchia a boca e nem cuspia ao chão ao referir-se às atenções, ao respeito e às considerações que lhes dispensavam o *SALRGENTO DOS QUARTEL.

 * Viegas questiona o social
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