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19/03/2022 às 00h00min - Atualizada em 19/03/2022 às 00h00min

Consumidor – vítima de incompreensões

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Não pretendo aqui dogmatizar esse tema tão sensível, que trata do consumidor e os dos seus direitos. Mas tenho percebido que há necessidade de compreender-se que vivemos outro momento nas relações de direito, em que o Direito do Consumidor trafega, em vista da sua função protetiva ao vulnerável, na esfera do direito privado e público, com a existência de normas cogentes e uma hermenêutica (interpretação) que, em se tratando de cláusulas contratuais, o seu exame, em caso de conflito de interesses com o fornecedor do produto ou do serviço, deve ser feito de modo mais favorável ao consumidor (art. 47 do Código de Defesa do Consumidor), suprindo, assim, o desequilíbrio, decorrente da vulnerabilidade, quer seja sócio-econômica, jurídica, técnica ou informacional.

No estudo dessa nova ciência jurídica, Direito do Consumidor, imperante em nossa sociedade, em que o lucro e o dinheiro representam a essência de vida de muita gente, e, para alcançá-los, praticam-se as mais hediondas ações, tenho meus gurus – os estudiosos que pregam a construção de uma sociedade mais humana e, sobretudo, alicerçada nos princípios humanísticos. Incluo nesse rol os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio Herman Benjamin e a ministra Fátima Nancy, juízes do Superior Tribunal de Justiça, sempre atuantes no escopo de que suas decisões humanizem as relações sócio-econômicas que se processam, de minuto a minuto, na convivência social. São julgadores que, no exame das questões que lhes são postas, estão sempre e sempre atentos aos postulados legais que dão proteção à parte mais vulnerável nas relações consumeristas, hoje, com as reformas que teve o CDC, muito mais ampliados, sobretudo em se tratando de contratações que são realizadas com instituições financeiras: os famigerados empréstimos e cartões de crédito consignados, que se transformaram numa febre de alto teor destrutivo, a contaminarem os consumidores hipervulneráveis, como os idosos, analfabetos, aposentados, carentes de recursos para sobreviver, e que fazem ou são essas pessoas convencidas a fazerem negócios, ou, ainda, o que é pior, são ludibriadas, e nada fazem, até porque têm total e absoluto desconhecimento dos complexos contratos que lhes apresentados, onde assinam (ou alguém assina) com o dedo polegar de quaisquer das mãos.

Ao lado desses juristas, que enobrecem com o seu humanismo o Judiciário brasileiro, cito Cláudia Lima Marques, a mestra de todos os mestres, Rizzatto Nunes, um misto de magistrado, professor e doutrinador, e, para não ir muito longe, pois o espaço é pequeno, faço referência aos brilhantes juristas Felipe Braga Netto e Leonardo Roscoe Bessa, com edições recentes de suas obras. Braga Netto lançou a 17ª, pela JusPodivvm, e Leonardo Bessa, 2ª edição, pela Gen (Forense). Ler e reler os estudos feitos e publicados por esses pensadores do direito nos possibilita ter uma visão científica do Direito do Consumidor, saindo do simplismo do “eu acho”, ou, ainda, penso assim. Não que se queira dizer que não se pense assim, ou se ache de um jeito ou de outro, mas o quer-se dizer que toda asserção, diante dos fatos controvertidos, deve ser fundamentada nos princípios, que são normas, e numa técnica hermenêutica em que seja prevalente o direito e se efetive a justiça, a partir das garantias constitucionais.

Estava a ler a apresentação da 1ª edição da obra Manual de Direito do Consumidor, de autoria de Antonio Herman Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, e não pude deixar de encantar-me com essas palavras iniciais dessa jurista, que nos tem sido mestra durante todos esses anos. Diz ela o seguinte: “Aprender é como caminhar, necessita de vontade, iniciativa, força e perseverança, enfim, necessita um objetivo e uma técnica. Enganam-se os que afirmam que aprendemos naturalmente,sem esforços, sem querer verdadeiramente conquistar o saber. Aprender necessita, além de curiosidade, uma visão de futuro e de utilidade daquilo que aprendemos. (...) E mais, o natural é aprender sempre dos outros, do seu exemplo, dos erros e dos acertos, do que observamos, do que repetimos e do que conseguimos absorver daquilo que nos comunicam (comun-i-car)...” Do aprendizado dessa excepcional jurista dos pampas, a gente vai aprendendo o que ela nos ensina com as lições diárias, para que o Direito do Consumidor possa ser aplicado com a atenção aos seus princípios, construídos no curso do tempo e pela necessidade de se fazer uma sociedade, senão igual, ao menos sem as flagrantes desigualdades do nosso berço esplêndido.

Rizzatto Nunes, em edição recente de sua obra Curso de Direito do Consumidor, manifesta a sua preocupação com as dificuldades que ainda existem com referência a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. E, assim, de início adverte: “Temos dito que um dos maiores problemas para o aprendizado de tudo o que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) significa está relacionado às lembranças. É que a maior parte dos estudiosos do direito e dos operadores em geral que atuam no mercado não foram educados investigando os fenômenos ocorrentes na sociedade de consumo. Precisamos, portanto, entender por que é que ainda existe uma certa, ou melhor, uma grande dificuldade de compreensão das regras da lei consumerista.”

Essa também tem sido a minha preocupação. Em outro momento, voltaremos a discorrer sobre esse cativante tema.

* Membro da AML e AIL
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