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05/02/2022 às 00h00min - Atualizada em 05/02/2022 às 00h00min

Bandeira, Drummond, Leminski e outros

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Estive sempre apaixonado por algum poeta. Um exemplo desse amor: Cora Coralina. Outro: Fernando Pessoa, nos vários heterônimos que assumiu. Um deles Alberto Caeiro, através do qual o bardo português manifesta o sentido metafísico da sua arte de fazer poemas: - Há metafísica bastante em não pensar em nada. / O que penso eu do mudo? / Sei lá o que penso do mundo! / Se eu adoecesse pensaria nisso. / Que ideia tenho eu das coisas? / Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho meditado sobre Deus e a alma / E sobre a criação do Mundo? / Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos / E não pensar. / É correr as cortinas / Da minha janela (mas ela não tem cortinas) / O mistério das coisas? / Sei lá o que é mistério! / O único mistério é haver quem pense no mistério. São versos que nos questionam sobre o mundo real e o que se encontra por trás de cada um de nós. Em outro poema, Caeiro afirma: - Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro. / Não acredito que eu exista por detrás de mim. E é ele quem diz: - Quando me sento a escrever versos (...) Escrevo versos num papel que está no meu pensamento.

Fernando Pessoa, um poeta plural, que se coligou com os heterônimos Álvaro de Campos, Caeiro e Ricardo Reis. É um poeta poeta, embora tenha, numa das estrofes do poema Autopsicografia, proclamado que “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”. Mas essa dor fingida do seu sentir brota na sua poética, como água pura de uma límpida fonte, o sentir da sua criatividade, como ocorre em Tabacaria: “Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Tive alguns momentos de convivência com Fernando Pessoa e seus companheiros do fazer poético. Num desses momentos, foi quando, no Teatro Arena, no Rio, vi a peça Fernando Pessoa, que ficou mais de ano em apresentação. Seus poemas eram produzidos musicalmente, declamados e cantados na voz de atrizes como Maria Fernanda. Esgotado o circuito comercial, essa peça passou a ser apresentada nas universidades. Tudo isso numa época em que se lia, e muito, discutia-se construtivamente sobre música e literatura, e os jornais tinham os cadernos B, com uma vasta informação cultural, além de matéria de fundo sobre arte: música, literatura, teatro, além dos bons cronistas – Drummond, Sérgio Porto, Carlos Eduardo Novaes, Lourenço Diaféria, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Colassanti, Rachel de Queiroz, Antônio Maria, Carlinhos de Oliveira, Lago Burnett – que davam o prazer de ler e pensar.

Antes de Fernando Pessoa, adorava Manuel Bandeira: - “A vida inteira que podia ter sido e que não foi.” Ou ainda: “Eu faço versos como quem chora / De desalento... de desencanto... / Fecha o meu livro, se por agora / Não tens motivo nenhum de pranto. E mais este belo e atual poema: “Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando a comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava /  Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem.” E mais ainda: “Quando o enterro passou / Os homens que se achavam no café / Tiraram o chapéu maquinalmente / Saudavam o morto distraídos / Estavam todos voltados para a vida / Absortos na vida / Confiantes na vida.” Assim era e foi Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, que viajou para Pasárgada, onde tem de tudo, além de outra civilização.

Drummond, o nosso Carlos Drummond de Andrade, no poema O lutador, tem o cuidado poético de nos alertar que “Lutar com palavras / é a luta mais vã. / Entretanto lutamos / mal rompe a manhã. / São muitas, eu pouco. / Algumas tão fortes / como um javali. (...) Palavra, palavra / (digo exasperado), / se me desafias, / aceito o combate.” Na luta com as palavras, esse poeta das Minas Gerais, terra de tantas poesias, nos apresenta José, um José sem mulher, sem discurso, sem carinho, sem utopia, sozinho no escuro, sem teogonia, sem cavalo preto, que fugiu a galope, e agora, José?, a festa está acabando, a luz apagou, os preços subiram, a noite está fria, e o povo sumiu, e agora, José? tu vais para aonde? se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José”.

Mais recente, Leminski, este poeta dos versos curtos, recheados de caprichos & relaxos. E ele nos previne: “Amor, então, / também, acaba? / Não, que eu saiba / O que eu sei / é que se transforma / numa matéria-prima / que a vida se encarrega / de transformar em raiva / Ou em rima.” E assim poeta se revela na sua poeticidade:  “parem / eu confesso / sou poeta / cada manhã que nasce / me nasce / uma rosa na face / parem / eu confesso / sou poeta / só meu amor é meu deus / eu sou o seu profeta.” Pois é, Bandeira, Drummond e Leminski, os outros vêm depois. E são muitos.

* Membro da AML e AIL
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