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12/09/2020 às 00h00min - Atualizada em 12/09/2020 às 00h00min

O HOMEM DOS CACHOS DE TUCUM – 2ª edição

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.


Tenho lá minhas dificuldades em reproduzir (reeditar) meus textos para esta coluna. Quando isso acontece é porque hei de estar acomodado, disperso, indolente ou simplesmente porque me fiz relapso e não cuidei do texto, em tempo. Abomino isso. Odeio isso. Acostumei-me desde cedo (desde cedo), a cumprir tratos, deveres e obrigações. Logo eu que, embora nunca tenha sido um bom aluno, JAMAIS faltei deliberadamente – senão por fatores extraordinários - a um único dia de aula em quaisquer das fases da minha atividade escolar, durante seguidos vinte e dois anos.

O introito é para dizer que, estando pronto o texto – TRAJETÓRIA DO COCO BABAÇU DO MARANHÃO – eis que o computador com um milhão de arquivos se foi pelos ares. Perderam-se as minhas riquezas; perdi-me também. E, como agora, novamente, é a fase daqueles CACHOS DE TUCUM, encontrados a esta época nas FEIRAS LIVRES - estas objetos dos meus seguidos temas - daí que volto a reeditar o texto abaixo, aqui publicado em setembro/2014, faz SEIS ANOS.

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O HOMEM DOS CACHOS DE TUCUM – 2ª edição

Era domingo, lá pelas bandas de quase meio-dia. Papo vai papo vem com o meu filho RENNÉ – um cara inteirado, verbo seguro e garantido que me deixa  impressionado -  de repente o assunto foi “os sósias, no mundo” e... até, com mais freqüência, nos dias atuais, como tenho observado. Nesse blá-blá-blá o meu filho, acaba por se referir a uma pessoa que tem a minha cara! E sublinhava nos detalhes!

Imagine um pai ouvindo isso do seu próprio filho! Também, não deixei por menos: Disse que conheço um jovem rapaz, com todas as suas características físicas e fisionômicas. E até no comportamento, no vestuário, etc.!  E que até já tinha falado isso para o tal rapaz, bem como a proposta de fazer um encontro entre os dois para ver se confirmavam aquela minha concepção. Em princípio o meu filho não achou lá muita graça nessa ideia do contato entre “sósias” mas eu insisti.  Sou como o meu pai que me mandava levantar a camisa, ao fim das noitadas de festas, para mostrar as marcas de taca aos seus amigos. Contraprova de governo! De mando! De domínio à sua cria...

E lá se vamos nós para o antigo endereço do rapaz, um açougue/residência no bairro do Bacuri. Mudou-se, estava pouco mais adiante, na mesma rua. E lá vamos nós, rumo ao encontro dos “sósias”. Bate na porta – pam-pam-pam;  aperta a campainha e... nada. Não deu certo a investida. Senti-me assim... um tanto frustrado, mas não perdi a viagem. É que, saindo dali, meio dia, sol a pino, o que eu vejo logo ao lado, ao meio-fio, sobre o asfalto? Um carrinho de mão, estacionado, carregado em CACHOS DE TUCUM! Tucum verde, desses que a este tempo, vendem-se para a gurizada da cidade. Ai não! Aí é como se o dia e a jornada simplesmente estivessem começando. 

E, em olhos brilhando, estanquei sem sair do lugar ali, do lado do carrinho carregado de cachos de tucum e me pus a contemplá-lo; a perguntar a quem pertencia. E me vi moleque, criança, dez, doze anos de idade, naquele meu inesquecível tempo de “vacas magras” em que um cacho de tucum no meio da gente - quatro, cinco irmãos, depois de escaramuças em espinho,  toco e marimbondo -  voava assim... vapt vupt. 

Enquanto estou vagueando o pensamento, em fração de instantes, chega um sujeito e eu pergunto, olhando para o carrinho:  De quem é? Ele responde: “É de quem chegar”. E, rápido, ele pegou uma pedra, pegou um tucum e espatifou-o sobre o asfalto. Não perdi tempo e emendei o gesto: peguei outro tucum e com a mesma pedra ali mesmo  no asfalto ao sol do meio dia e... páááá... o tucum se espatifou e eu comi a sua amêndoa ali mesmo, sem pedir licença, sem saber quem era o dono, que eu imagino que estivesse ali por perto tomando uma pinga. E, juntamente com o meu filho que não encontrou o seu “sósia”, fomos embora.
No caminho, rota do almoço em banquete, lá em casa, eu ía “conjuminando” sobre aquele meu tempo de “vacas magras” e cachos de tucum que eram comidos como na merenda da manhã, ou da tarde ou da hora em que viesse.  Tucuns que muitas vezes, na hora da quebra, “espirravam”, pegavam na perna da gente, na barriga do irmão – aaaaaai, aaaaai!   Velhos tempos aqueles tempos que fizeram e fazem  a indelével trajetória da minha vida. E então serviu-se o almoço  e eu ali, revendo na imaginação aquele cacho de tucum e todo o seu universo e estabelecendo diferenças e lembranças entre o banquete de agora, o cacho de tucum  da criancice e aqueloutros, no asfalto.

Agora, neste mesmo domingo, é tarde, fim de tarde. O sol já vai caindo no horizonte, sobre o que fora por aqui o Velho Goiás - pras bandas de São Sebastião e eu  “zanzando” pela cidade. De repente, quando dou por mim, lá vai ele: o homem dos tucuns, empurrando quase trôpego, passos lentos, o seu carrinho de mão com aqueles mesmos cachos de tucum. Descia rumo ao “Porto da Balsa”, o que me permitiu imaginar que ele mora do outro lado, na Bela Vista. E tive a impressão  de que naquele dia não vendeu nada, ou quase nada.

E eu no trânsito a 50, 60 por hora, não tive o  reflexo, a  presença de espírito,  em fazê-lo parar, para lhe fazer perguntas e até mesmo para “indenizar” o seu dia  que me pareceu perdido, infrutífero -  de vez que os seus tucuns voltaram tantos quantos vieram. Fiquei chateado. E saí dali me questionando sobre a vida e as dificuldades, a casa, a família, os filhos, o meio de vida daquele homem dos cachos de tucum. Ele que voltava agora para casa, vencido e decepcionado - acho que sem um tostão no bolso e certamente com o bucho vazio, com fome, com umas quatro pingas no juízo e a frustração ao ver a sua dura luta  em vão. Mas como diria o meu pai: “A vida é mesmo assim: umas em cheia e outras em vão”.
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