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04/12/2021 às 00h00min - Atualizada em 04/12/2021 às 00h00min

Dezembro

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Nasci no Lira. E entre os seis a sete anos, fui criado pelo meu avô, seu Manel, no Codosinho de Cima. Duas ruas quase paralelas. O Lira acompanha até hoje o muro do cemitério. Mas o largo do Lira, na parte final, onde o muro dobra para direita, fora o lugar em que se jogava futebol. Não participei dessas peladas. Ainda era criança, de cinco, seis anos, e os peladeiros eram de doze anos para cima, sendo a disputa bem disputada. Na base do tem falta, não tem falta. E o pau cantava. No Lira, como na Madre de Deus, havia, de forma organizada, times de futebol. Lembro do Mangueira, que tinha à frente Vadico, que era gráfico do Sioge e dono de uma amplificadora -  um serviço de alto-falante que, além de tocar as músicas de sucesso, e com sucesso, como Índia, Quem és tu, esta de Waldick Soriano, e outras, transmitia mensagens aos ouvintes, que eram os muitos moradores da localidade do seu alcance sonoro, além da aguardada Hora dos Angelus, pontualmente às 06 horas da tarde, sob o fundo musical da Ave Maria de Shubert. Na Belira, o time era Os Onze Belirense, em que se destacavam alguns craques como Grilo, Ary (meu primo-irmão), e o grande centroavante Gago, autor de alguns sensacionais gols. Mas havia um time, não sei de que rua ou bairro, o Dínamo, no qual havia grandes craques, como Barrão, hoje Dr. Walter Cruz, que chegou a formar um dos maiores meio-campos do futebol maranhense: Zuza e Barrão, do Maranhão Atlético Clube, que rivalizava com Gojoba e Ananias, do Moto, e Chico e Carlinhos, do Sampaio. Eram desses times de bairros e ruas, donde saíam para o estrelato os futuros grandes jogadores, como Pelezinho, do bairro do Anil ou João Paulo, periferia da cidade onde se praticava um futebol de qualidade, projetando as grandes revelações.

Mas por que toda essa conversa inicial, para falar de dezembro? Nessas ruas ou bairros, vivia-se o mês de dezembro com alegria e grande expectativa. Um mês de festa, que sempre assumiu ares de relevância espiritual do Natal e da esperada comemoração do nascimento do Senhor Jesus Cristo. Não fui uma criança de ganhar brinquedos. Mas, no dia do Natal, eram obrigatórias as visitas aos familiares - os padrinhos e as madrinhas - para tomar a bênção e receber as sacras palavras de exortação de um feliz Natal! Confesso: não entendia bem, quando amanhecia o dia 25 de dezembro e via as crianças andando de bicicleta, ou tendo nos braços bonecas que diziam “mamãe”, puxando carrinhos coloridos, ou ainda exibindo, com ar de ufanismo, uma vistosa bola de borracha, de cor vermelha. Nunca tive inveja, embora não compreendesse esse fenômeno dos primeiros momentos de minha vida. Meu avô, a quem devotava como pai, cuidava de outras necessidades, mais prementes: o estudo, o bom alimento, a roupa, a educação familiar e a afetividade. O brinquedo não representava uma exigência de vida. Havia outras formas de brincar. Lembro que, um dia, não era Natal, nem a semana dos presentes, ganhei uma bola de seringa. Um tipo de bola frágil, que, com alguns chutes, ficava ovalada, e, assim, tinha-se que ter alguma habilidade para fazer o controle dessa pelota. Fiquei exultante. Tinha uma bola, meu instrumento de sonhos e fantasias, embora minha posição no jogo de pelada, em face de circunstâncias notórias, era o gol. Às vezes, dependendo dos peladeiros, aventurava na linha. E os companheiros de jogo reclamavam e até exigiam: - Tira a bota! E eu, monossilábico, respondia, em resistência à súplica: - Como? Era impossível jogar descalço. Íamos em frente, resistindo a essa demanda ardilosa, por impossibilidade de atender aos reclames desses velhos companheiros de pelada, ainda alguns deles vivos por aí, que podem confirmar esta minha grave confissão.

Dezembro era e foi sempre assim: um mês de alegria para muitos. Ainda bem. E um mês comum para outros tantos.
Certa vez, em Imperatriz, Aurelianinho, ainda pequeno, creio que com 06 ou 07 anos, e era Natal. Sonhava que Papai Noel lhe desse uma bicicleta de presente. Mandei o recado para o nosso Noel. Conselho dele: ir às Pernambucanas, onde o gerente era o meu amigo Prado, e havia bicicleta num preço mais acessivo. Prado era um amigo que se eu chegasse à loja da Rua Godofredo Viana e quisesse adquirir um produto (televisão, aparelho de som etc.), ele não titubeava, dizia: - Leva, depois acertamos. Sabia que não receberia como resposta um tombo. Na véspera de Natal, daquele ano que não me vem à memória, fui à loja e retirei uma bicicleta, dessas cantadas em verso e prosa nas publicidades natalinas. Mantive-a distante dos olhos do filho sonhador. Dia 25 de dezembro, ainda bem cedo, pus ao lado de sua cama. Ao acordar, manifestou toda a alegria do presente de Papai Noel. Para ele e para mim, foi um dezembro feliz, cuja felicidade se multiplicou durante todos esses anos.

O melhor dessa história é que, para fazer uso da sonhada bicicleta, fomos à Praça Tiradentes, hoje um shopping popular, para que desse umas pedaladas. Estavam algumas crianças, resplandecendo curiosidade. Percebi que Papai Noel não teve o cuidado de passar pelas suas casas. Não pensei duas vezes. Havia uma venda aberta, na esquina. Convoquei todas e fomos até ao rústico empório. Assumi a missão do velhinho Noel, improvisando-o, concitei o vendedor a entregar um brinquedo para cada uma delas. Não preciso dizer a alegria daquelas crianças, naquele mês de dezembro. Eles ficaram felizes e eu muito mais ainda. Pensei: felicidade está em ser feliz, mas fazer alguém feliz.

* Membro da AML e AIL
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