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06/11/2021 às 00h00min - Atualizada em 06/11/2021 às 00h00min

O meu primeiro picolé

O vendedor de ovo de égua - Causo XXIII

JAURO GURGEL

JAURO GURGEL

JAURO José Studart GURGEL, durante muitos anos Editor Regional de O PROGRESSO, em Araguaína (TO),

*Republicado a pedidos
**Publicado originalmente em 25 de janeiro de 2015
  
Recentemente, o meu presidente da ACALANTO – Academia de Letras de Araguaína e Norte Tocantinense, professor José Francisco da Silva Concesso, promoveu no auditório da FIETO o lançamento oficial da sua última obra literária, o livro intitulado “Meu Primeiro Picolé”, onde ele narra fatos acontecidos ao longo da sua vida, em algumas cidades brasileiras, como Rio Espera e Burnier, em Minas Gerais; Valença, no estado do Rio de Janeiro, e Araguaína, ex-norte de Goiás e atual estado do Tocantins, e até mesmo no exterior, no caso Roma, a “cidade eterna”.

Ao ler o título do livro, lembrei-me que todos nós seres humanos, filhos de Deus, tivemos uma experiência, agradável ou não, com aquele bichinho geladinho e gostosinho chamado “picolé”. E comigo não foi diferente, por isso resolvi aproveitar o título do livro do professor José Francisco para narrar o “causo” acontecido comigo, ao saborear pela primeira vez aquele “bichinho”.

Eu nasci no dia 11 de dezembro de 1945, na cidade de Acaraú, no litoral norte do estado do Ceará, a uma distância de 255 quilômetros de Fortaleza, a belíssima capital cearense. Na época em que este “causo” aconteceu, eu devia ter de 9 para 10 anos de idade, ou seja, entre os anos de 1955 a 1956, quando eu estudava no Grupo Escolar Municipal Padre Antônio Tomás, lá mesmo no meu torrão natal, cursando o quarto ou o quinto ano primário, que também era chamado de Exame de Admissão, pois caso aprovado, o aluno seria admitido no Curso Ginasial, ou Secundário.

Diariamente, ao sair do grupo escolar, eu me dirigia até a Farmácia Nossa Senhora da Conceição, de propriedade do meu pai e localizada na Avenida Getúlio Vargas, em frente ao Mercado Público Municipal, e de lá eu ia para casa, que ficava na praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Acaraú. Para ser mais preciso, a nossa casa ficava vizinha ao Clube Recreio Familiar, onde funcionava o cinema do “padrinho Araújo”, meu padrinho de crisma. Faço aqui um parêntese: aos sábados e domingos, eu me escondia do “padrinho Araújo” para não lhe tomar a bênção, mas à noitinha, quando começavam os filmes, eu ia até a portaria e lhe pedia: “Abença padim”, e ele me abençoava e mandava eu entrar no cinema sem pagar.

Mas, voltando ao assunto. Em um destes dias, quando eu me dirigia para o saboroso almoço preparado pela minha querida “Iaiaan”, como eu chamava a nossa querida Mariana, observei que na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a outra rua, cujo nome não lembro no momento, mas se não estou enganado era Rua Pedro II, havia uma grande quantidade de acarauenses se confraternizando. É claro, lógico e evidente que esta grande quantidade de pessoas não chegava sequer a um por cento do número de pessoas presentes na festa ocorrida no dia 31 de julho de 1949, quando Acaraú completava o seu primeiro centenário de emancipação política. Aquela festa foi uma festa tão bonita, que eu, na época com pouco mais de 4 anos de idade, ainda recordo com exatidão. Realmente, a comemoração do centenário do meu querido Acaraú foi uma festa inesquecível.

Ao ver aquela concentração humana, me aproximei curioso, perguntando aos mais velhos o que estava acontecendo, sendo informado que era a inauguração da Fábrica de Picolés Estrela do Norte, de propriedade do empresário acarauense Napoleão Viana, sendo o primeiro empreendimento do gênero em toda a região, da qual faziam parte os municípios de Bela Cruz, Marcos, Morrinhos, Itarema, Camocim e Itapipoca. Uma fábrica igual aquela só existia em Fortaleza, capital do estado, e na cidade de Sobral, o polo econômico da região norte e distante 140 quilômetros de Acaraú.

Como eu frisei acima, o proprietário da fábrica era o senhor Napoleão Viana, que por uma destas coincidências do destino, em 1981, quando eu vim morar em Araguaína, aqui o encontrei com toda a sua família, estabelecido comercialmente com a “Casa Acarauense”, localizada na Avenida Filadélfia, em frente à Vila Aliança. Entre os filhos do “seu Napoleão”, dois deles eu tive uma amizade mais sólida: o mais velho, Raimundo Franklin Viana, o “sargento Franklin”, já falecido, e a mais nova, a pedagoga Fátima Viana Mourão, que chegou a ocupar, como raro brilhantismo, a coordenação geral do programa Pioneiros Mirins em Araguaína.

Ao ser informado sobre a inauguração da fábrica de picolés, coisa que eu nunca tinha visto ou sequer ouvido falar, peguei uma moeda do meu bolso e pedi um picolé. “De que?”, me perguntou seu Napoleão, e ante a minha indecisão sobre de que, ele me sugeriu um picolé de baunilha, me entregando o bichinho, que de imediato levei à boca e foi devorado. Para que você não pense que eu chupei o picolé com o papel e tudo, faço um registro: ele não veio enrolado, como os picolés de agora.

Gostei tanto do picolé que, como eu ainda tinha algumas moedas no meu bolso, comprei mais quatro deles, colocando-os no bolso da blusa do meu uniforme escolar, e a seguir rumei para casa para almoçar. Ao chegar em casa, coloquei a blusa, com os quatro picolés no bolso, em um cabide e aguardei a hora do almoço ser servido para toda a família. Após almoçar, pedi a permissão do meu pai, da minha mãe e dos meus irmãos mais velhos para me levantar da mesa (isto mesmo. Antigamente, os mais novos só se levantavam da mesa após os mais velhos, ou então com a sua autorização) e fui correndo buscar os meus picolés, que seriam saboreados como sobremesa.
Que surpresa desagradável! Que decepção frustrante! Encontrei apenas os quatro palitos no bolso, que estava totalmente molhado por um líquido amarelo, o líquido da baunilha. Ainda neste momento, já passados mais de 50 anos do fato, recordo a minha tristeza ao pensar que alguém tinha roubado os meus picolés, ou o que seria pior, ter sido enganado pelo seu Napoleão Viana.

Sem que ninguém lá em casa entendesse o porquê dos meus prantos e da minha saída rápida de casa, me dirigi à Fábrica de Picolés Estrela do Norte e reclamei ao seu Napoleão o sumiço dos meus picolés. Após escutar as minhas queixas e reclamações, ele calmamente e educadamente me explicou o que tinha acontecido.

Só assim foi que eu fiquei sabendo que picolé derrete!

 
 
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