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09/10/2021 às 00h00min - Atualizada em 09/10/2021 às 00h00min

Offshore, Pandora Papers, Guedes e Campos Neto

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Terça-feira, dia 05/10, como faço algumas vezes, quando possível, sentei frente à TV para assistir ao noticiário do Jornal Hoje, apresentado pela jornalista Maju, da Globo. Mas o fiz sob a condição de quais seriam as manchetes das notícias mais relevantes. Aguardava com certa ansiedade o tratamento jornalístico a ser dado à notícia publicada na Revista Piauí, em alguns jornais como Folha e Estadão, além de matérias mais cozinhadas e comentadas no site Brasil 247. Logo aparece Maju, como sempre bem produzida, e faz referências às chamadas dos temas que serão objeto de reportagens. Mas nada sobre Paulo Guedes, ministro da economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, quanto as suas duvidosas aplicações milionárias em offshores, empresas que são criadas em paraísos fiscais para aplicação sem risco e sem tributação dos milhões de dólares por eles depositados. Em razão desse silêncio, voltei a folhear o caderno Mercado, da Folha de São Paulo, para confirmar ou não se houve algum engano de minha parte. Não. Lá estava na página A18 a matéria, ao lado da coluna Painel S.A., com o título: Offshores de Campos Neto e Guedes levantam discussão sobre conflito de interesses”, e mais o seguinte: “Presidente do BC e ministro declaram empresas à Receita Federal; parlamentares afirmam que vão pedir investigação.” Sem engano. Vamos aos fatos.

Primeiramente há necessidade de esclarecer, em linguagem simples, o que é uma offshore. Trata-se de empresa criada em paraísos fiscais em que milhões de dólares são aplicados com total e absoluta garantia de ganho e sem nenhuma tributação ou pagamento de quaisquer despesas. É o local onde a turma da lavagem de dinheiro deposita a sua “riqueza” (entre aspas), com a certeza de que o segredo é mais que a alma do negócio.

Já o Pandora Papers são documentos que mostram as contas em paraísos fiscais de políticos e celebridades ao redor do mundo. No caso especificamente brasileiro, os personagens são ninguém menos que as duas principais autoridades econômicas: o superministro da economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. E a revelação faz parte de uma reportagem do Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ, com sede em Washington, DC. Esse consórcio teve acesso a 11,9 milhões de documentos sobre offshores em paraísos fiscais. A investigação dos Pandora Papers reúne mais de 600 profissionais em 117 países e territórios. Por esse levantamento investigativo, cuja matéria jornalística foi publicada detalhadamente pela Revista Piauí, foram encontrados os dois personagens aí de cima, com aplicações milionárias em offchore, criada em sociedade com familiares.

A questão é se há conflito de interesses em vista dos cargos públicos ocupados por Paulo Guedes e Campos Neto, os quais têm como uma das metas prioritárias controlar a valorização ou desvalorização do dólar e, na medida em que atuam, estão dando relevância aos seus próprios interesses econômicos e das grandes fortunas, incluindo a dos donos dos nossos conglomerados midiáticos, que também, para salvaguardar seu valoroso capital, fazem esse tipo de aplicação? A pergunta é longa, mas a resposta não é simples. Vejamos. Diz a reportagem da Revista Piauí: “A abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central. Mas, no caso de servidores públicos, a situação é diferente. O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais. A proibição não se refere a toda e qualquer política oficial, mas apenas àquelas sobre as quais ‘a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função’. Em janeiro de 2019, cinco anos depois de abrir a offshore e depositar 9,55 milhões de dólares, Guedes virou o principal fiador do governo Bolsonaro e assumiu o cargo de ministro da Economia, sob cuja responsabilidade está um enorme leque de decisões capazes de afetar seus próprios investimentos no exterior. As penas para quem infringe o artigo 5º variam de uma simples advertência à recomendação de demissão.”

O jornalista Reinaldo Azevedo, com precisão analítica, coloca em dúvida a postura ética e, diga-se, técnica desses dois comandantes da economia de nossa pátria amada e afirma: “Nem tudo o que não é ilegal é ético — e cumpre, sim, indagar se, não sendo ético, não é também ilegal, uma vez que o texto que define o conflito de interesses é uma lei. É claro que, a muitos, as duas autoridades mais importantes na definição dos rumos da economia passam a mensagem de que eles próprios não confiam na eficácia do próprio trabalho.” Ou seja: aplicam os seus milhões de dólares em paraísos fiscais e, ao mesmo tempo, dirigem a economia de um país continental como o Brasil, em que o dólar, permanente em alta, beneficia a economia dessas duas espertas (com s mesmo) figuras. Não basta apenas declarar à Receita ou a qualquer outro órgão fiscalizador. Isso é de pouco relevância, haja vista que o conflito de interesses é visível, assim como vacinar é a solução efetiva para combater o coronavírus. Volto a Reinaldo Azevedo, para concluir: “Não! Eu não estou aqui a afirmar que Guedes ou o Campos Neto tomam esta ou aquela decisão pensando nos dólares que têm depositados em offshores. Mas é evidente que suas decisões impactam nos... dólares que têm depositados em offshores!!!” E reticência. Aguardemos a investigação do Procurador Geral, que tem por hábito procurar e nunca achar. Arre égua!

* Membro da AML e AIL
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