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02/10/2021 às 00h00min - Atualizada em 02/10/2021 às 00h00min

OS PREGOEIROS DA CIDADE

(E OS RETRATOS DA VIDA)

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.


 
Pregão é o anúncio público feito em voz alta. Indicativo de divulgação, Publicidade. Os pregoeiros tornam-se “marca registrada” da cidade. O seu vozerio se espalha pelas ruas. São os costumes que se revezam e se renovam com o tempo. (Digo eu).

-  Houve um tempo e o nosso Rio Tocantins dava um banquete à cidade com uma fartura de peixes. Outrora, pelas manhãs, os VAREIROS com um varal atravessado ao ombro com vários “cambos” de peixe pendurados. Curimatãs, piaus, piabanha,  caranha, “dava gosto de se ver”. Eles se espalhavam pela cidade levando a fartura: Oh o peixe! Oh o peixe!

Com a Barragem de Tucuruí os peixes por aqui desapareceram e os vareiros também. Em seus lugares surgiram outros tipos de vendeiros de peixe, agora numa caixa de isopor. Eles também gritavam. Oh o peixe! Oh o peixe! Com a escassez do pescado natural, os vendeiros da caixa de isopor reduziram-se drasticamente. Quase não se vê. E o que tem de dublê de pescador por aí, não está escrito. Quer dizer: Está escrito na tábula rasa dos benefícios da “categoria”. Sim, mas... e cadê o peixe do rio?!!! O voador? A branquinha? O joão-duro? Pobres coitados...

Todas as manhãs, por aqui passava  aos gritos um pregoeiro (um vendeiro). Ora feijão verde, ora pequi, ora bacaba. Ele gritava a plenos pulmões: Olha o feijão verde! Olha a bacaba! Olha o piqui. Existe aqui um pregoeiro extraordinário. Ele é plenamente deficiente visual. Sai à frente empurrando quase parando, lentamente, uma bicicleta e nesta, à garupa, uma caixa de isopor. Peixe! Peixe! É o seu grito de um tom grave. E sua mulher como o seu guia, vai atrás. Nessa situação ele roda uma banda da cidade, sempre nas manhãs. Esse senhor é um tema para as nossas reflexões, ao vermos o quanto o CRIADOR concede à sua criatura, uma saída à sua vida! E ao seu trabalho!

Existe por aqui o homem do GELADÃO. Ele é um batalhador, um herói. Deveria ganhar um título de reconhecimento público, uma aposentadoria pela dignidade. Um diploma de consagração pública. Todos os dias ele grita nas alturas: Geladão... geladão... geladão”. E roda a cidade, nas manhãs e à trade. Ele vem de longe na sua bicicleta cargueira. Mora do Conjunto Itamar Guará, foi como me disse.  E grita Geladão... Geladão... geladão... pelos seus pontos estratégicos, na cidade.
 
Em princípio eram uns caminhões carregados de frutas diversas: maçãs, laranjas, abacate e outras. Depois esses caminhões e caminhonetes dedicaram-se ora ao abacaxi, ora a venda de uvas. Eles vêm de longe. Portam um serviço de som (alto-falante). Apelam para a “dona de casa”. Um auxiliar sai à retaguarda do caminhão, a pé, oferecendo nacos de abacaxi.  E a amplificadora no “gigante” do caminhão lá em cima: Troco abacaxi por Telesena”. “Abacaxi docinho, docinho, do produtor ao consumidor”.

Quem roubou a cena e ganhou espaço na mídia popular por aqui foi um sorveteiro que empurrava um carrinho improvisado. Gritava ao som gravado: “Três bolas por um real. TRAGA a VASILHA, traga a vasilha”. Essa pegou! Foi a maior mídia de pregoeiros da cidade. Marcou época: “Traga a vasilha, traga a vasilha...”

Carroceiros (um segmento) enchem suas carroças de fruta: com uma amplificadora e um som estridente dos quintos. Chega a ser odioso. Com o microfone eles azucrinam os ouvidos das pessoas: Eu tenho laranja, eu tenho maçã, eu tenho melancia, eu tenho banana, eu tenho maracujá, abacate, eu tenho mamão. Virou serviço, na cidade.

Por aqui, surgiu um rapagão – O HOMEM DO CUSCUZ IMPERIAL. Ele grita nas manhãs, já antes das seis. Oh o cuscuz Imperial, cuscuz Imperial. E grita insistente e profissional, badalando um sininho e rodando a cidade. E quando dá nove, nove e meia do dia, lá vem ele voltando ao ponto de partida, no Bacuri, para prestar contas e receber o seu. Olhando para esse rapaz a gente vê que ele leva a sério o quanto faz. É outro que merece um título de reconhecimento público, pelo profissionalismo do quando faz no seu humilde trabalho; mas  título de honra par esse “tipo de gente” não existe; Oh o cuscuz Imperial, Imperial, Imperial!!!

Na capital o homem do sorvete (com a tina na cabeça), para mim foi o maior pregoeiro em todos os tempos. Ele gritava: “Sorvete de coco! Coco e maracujá. Sorvêêêête, Sorvêêêête!  Esse pregoeiro desapareceu. Outra fera dessa savana, quer dizer do dia a dia era o vendedor de carvão.  Dois baitas cofos de carvão ao ombro, um de cada lado, içados a um pau de carga, sempre nas manhãs, já ao romper do dia. CARVÃO DE VARINHA! CARVÃO DE VARINHA!!!

Impossível nesse “zoo”, é esquecer o homem do sururu, ele mesmo também do sarnambi. “Oh o sururu! Sururu e sarnambi!  Sururu e Sarnambi!”. Isso a plenos pulmões nos bairros da capital, era uma “mídia” e tanta!!!.   (Sururu e sarnambi, para quem não sabe, eram mariscos, das beiradas dos rios salgados,  do litoral. Muito presentes na mesa do arroz com feijão. 

Injustiça seria esquecer O HOMEM DO GUAJURU. Guajuru é uma frutinha de um vermelho/escarlate intenso; de uma polpa branca e salobra, levemente adocicada. Costumava ser encontrado nas dunas, pouco adiante da beira do mar. Eu era um moleque, ainda no exame de admissão ao ginásio (na capital) e já me perguntava que ganho era aquele do homem do Guajuru? Coitado! Ela vinha de longe e trazia um cofinho, pouca coisa para vender e muito menos para ganhar. E gritava: “Guajuru, guajuru... oh o guajuru. Guajuru graúdo, guajuru graúdo”...
 
Na minha terra, na Baixada, o pregoeiro não falava nem gritava. Ele tilintava a sua colher ao caldeirão de arroz de toucinho. Melhor dizendo: tilintava a colher à uma pequena medida metálica em flandres, feita pelo funileiro Mané Cabeça.  Bastava o tilintar da colher à borda (à boca) do caldeirão ou ao fundo daquela “medida” e  logo a macharada já se punha em volta. Era um tempo do “arroz de toucinho”, servido ainda quente, nas mãos das pessoas, que comiam aquela guloseima com uma tremenda disposição e sofreguidão que dava gosto!!!  Espancar a colher naquela medida era uma mídia e tanta!

Outro pregoeiro, na minha cidade provinciana era o João Capa. Ele tinha um “porta-voz”, surrado, enferrujado e luzidio, cônico, com um bocal. Uma espécie de megafone, feito de flandres pelo funileiro local. João capa, com duas pingas no juízo mais uma ou outra pinga por onde passava no seu ofício, a cada duas esquinas, anunciava viagens de lancha, bailes populares, loja/s de tecido, “queima” no comércio. “Atenção, muita atenção! Atenção, muita atenção! (e deitava falação). Daria um bom tema para estudantes na área da comunicação. Penso eu.

- São os pregoeiros da cidade! São os retratos da vida! (Taí seu CAPIJAS, o texto!)
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