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18/09/2021 às 00h00min - Atualizada em 18/09/2021 às 00h00min

O Tempo e o Vento

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão.

 
Todos nós sonhamos, e mais do que sonhamos, queremos vencer o tempo. Viver cem anos, eis o desafio que nos impõe o tempo. Sob a perspectiva histórica, quem melhor falou sobre o tempo foi Érico Veríssimo. Numa trilogia mais literária que temporal, contou parte da história do seu amado Rio Grande do Sul: O Continente, O Retrato e O Arquipélago. Tempo, essa eternidade móvel, definida por Platão, passa de mansinho, e, quando a gente espanta, ele vai bem distante e fica impossível voltar e contemplá-lo naquilo que ele tem de mais sonhador. Na névoa do sonho, sonhamos os amigos que nos deixaram antes do tempo. Pensando neles, ora voltamos obsessivamente para o passado, ora como aquele cientista maluco do filme, para o futuro. Há em tudo isso uma doce e onírica verdade. Mas, dizem os sábios que o tempo é o senhor da razão. Disso não tenho dúvida. O tempo me ensinou muitas lições. E uma delas é não ter pressa. Há aqueles que não vivem; têm pressa. O tempo para os apressados não é o senhor da razão. Tanto isso é verdade que, quando ocorre a separação definitiva – o tempo da partida deste sofrido plano de incertezas, alguém, com a curiosidade do desenlace final, faz a pergunta de sempre: Qual era a sua idade? Vem a resposta do tempo: – Oitenta anos. Logo, o esgar do conformismo: – Ah!, e o arremate da fatalidade: – Também! Como se oitenta anos fossem o limite do tempo. Com a veemência e a vontade de vencer o tempo, viver oitenta anos ou muito mais é façanha de absoluta necessidade. Só não vive quem é besta, ou é preguiçoso. A medicina exortar-nos a ultrapassar essa fronteira do espanto, da dúvida. Basta ligar a televisão e lá estão todos os milagrosos remédios da longevidade, que nos possibilitam alcançar a eternidade. Um dia, quem sabe, não haverá mais limites. Seremos uma espécie de Noé, envelhecidos e rejuvenescidos, sem dilúvio, para não nos aporrinharmos com a necessidade da reprodução e de ficarmos a selecionar casais de animais, para que a espécie se perpetue. Ah!, recorro à interjeição do espanto, que vivamos cem, duzentos anos, se assim for possível. Deixemos de pisar na dúvida do descrédito. Enfim, Gonçalves Dias, na perpetuidade de sua poética, nos dizia: a vida é combate que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar. Sejamos essa vida/combate nesse turbulento tempo de queimadas e pandemia.

Quero dizer: o tempo é tão importante que a gente tem que viver no tempo e lutar com unhas e dentes para não viver fora do tempo. O tempo serve pra tudo, até mesmo para justificar o não ter tempo. Tem sujeito por aí que não tem tempo nem pra morrer, pois morre antes do tempo. Arre!, lamentam os inconformados, era tão bom que não deveria morrer. Foi-se tão cedo. Já outros, exultantes com a partida, exclamam do alto do seu desprezo: já foi tarde!

Quando alguém parte antes ou no tempo certo, a gente vê o tempo nessa partida. Despertou-me muito recentemente para o tempo a partida do ator Tarcísio Meira. Mas não por ser Tarcísio Meira, companheiro de longo tempo de Glória Menezes. Mas porque vi nele o tempo. O tempo de Irmãos Coragem, uma novela em preto e branco, que fazia a família se reunir nas rústicas ou requintadas salas, com os televizinhos, para acompanhar o drama escrito por Janeth Clair e a direção de Daniel Filho. Ouvia-se o tema musical da abertura, de autoria do maranhense Nonato Buzar, artista de grandes canções consagradas na voz de Simonal, no período em que o intérprete de O País Tropical enveredou pelo som da pilantragem. Eram os anos setenta, tempo em que o Brasil, calçando as chuteiras, fora ao México para ensinar o mundo como se jogava futebol. Época do tri, com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Clodoaldo, Gerson e mais um monte de craques, vistos daqui, pela primeira vez, ao vivo, numa Copa do Mundo, a sagrarem-se campeões. Nesse tempo, além da seleção brasileira, dos Irmãos Coragem, de Chacrinha, Flávio Cavalcanti, os festivais de música popular brasileira, com Chico Buarque, Caetano, Gil, Os Mutantes, Milton Nascimento, fazendo da vida uma inesquecível Travessia, ao lado da Banda e de Alegria, Alegria, era o tempo da inteligência, da arte, ainda que convivendo com as atrocidades da ditadura, que se encontrava no auge da repressão e do cárcere sem habeas corpus.

Mas, devo dizer: há tempo pra tudo; há sempre um tempo que não perde o tempo de ser lembrado; há sempre um tempo pra alguma coisa. Lembram-se do tempo do ri-ri. O que é esse tempo do ri-ri? A lembrança se esgarça no tempo. Hoje, de uso democrático, No tempo da brilhantina, era de uso feminista, apenas nas roupas das mulheres. Modernizou-se – o tempo se moderniza, às vezes - e se propagou de tal maneira que é visto em tudo em que é lugar: bolsa, blusa, calça, camisa, roupas íntimas, bermuda e tantas outras coisas. A sua nobre função é facilitar a nossa vida. Não se compõe de laços ou de botões. Surgiu com finalidade revolucionária, para desbancar essas coisas dos tempos antigos. Em conclusão, porque o tempo urge: naquele tempo, chamavam-no ri-ri. Nos nossos tempos, fecho éclair. Foi do meu tempo e continua no tempo. Ainda assim, lutemos a favor ou contra o tempo, mesmo que sem lenço ou sem documentos, tomando coca-cola ou suco de carambola, por favor, sem continência, mas com toda civilidade, porque ainda há tempo de se combater e em tempo.
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