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28/08/2021 às 00h00min - Atualizada em 28/08/2021 às 00h00min

O padre pidão

O vendedor de ovo de égua - Causo II

JAURO GURGEL

JAURO GURGEL

JAURO José Studart GURGEL, durante muitos anos Editor Regional de O PROGRESSO, em Araguaína (TO),

*Republicado a pedidos
**Publicado originalmente em 31 de agosto de 2014

  
Araguaína, esta cidade tão tranquila e hospitaleira, é um dos orgulhos do estado do Tocantins, conhecida nacionalmente e até internacionalmente como “a capital do boi gordo”, graças à potencialidade econômica da sua pecuária. A cidade tem várias atrações turísticas, e uma delas é a tradicional cavalgada que acontece, desde o final da década de 80, no primeiro domingo do mês de junho e serve como abertura da Exposição Agropecuária de Araguaína. Na cavalgada deste ano, mais de 6.000 participantes, entre cavaleiros, amazonas e peões, tendo à frente o próprio governador do estado, Marcelo Miranda, desfilaram pelas principais ruas da cidade, levando ao delírio a massa popular que se postava nas calçadas, para admirar e aplaudir tão belíssima cena.


Apesar de toda a beleza e seriedade da cavalgada, tudo acontece no desenrolar da passagem dos participantes, até a criação de piadas e mais piadas. Contou-me um amigo que, certa vez, estava com seu filho de 6 anos de idade, assistindo à passagem da cavalgada, quando observou que montado num lindo cavalo alazão desfilava um conhecido político tocantinense, que embora não fosse muito querido pelo povo, a quem decepcionara por uma série de atitudes nada recomendáveis, acena para o público com aquele sorriso demagógico peculiar a este tipo de gente: “Veja, meu filho. Aquele é o...” e citou o nome do dito-cujo, que eu não expresso aqui porque não quero ser processado, e na sua santa inocência, na ingenuidade de seus 6 anos, a criança perguntou: “Pai, e quem é que está montado em cima dele?”.

E como dizia o nosso querido e saudoso Abelardo “Chacrinha” Barbosa, que “na televisão nada se cria, tudo se copia”, faço minhas as palavras daquele “mago da televisão”, com uma ressalva: não é só na televisão. Tudo no Brasil, infelizmente, é copiado, é imitado. Assim sendo, posso garantir que o sucesso da Cavalgada de Araguaína foi tanto que muitas e muitas cidades resolveram imitar Araguaína, fazendo também a sua cavalgada. E é justamente sobre a cavalgada de uma destas cidades, ou melhor, de uma pequenina “corrutela”, o causo agora narrado.

Um certo dia, eu fui convidado por um ex-aluno a comparecer numa localidade distante aproximadamente 50 quilômetros de Araguaína, onde seria realizada a primeira cavalgada local. O meu ex-aluno, por sinal um dos organizadores do evento, garantiu que lá estariam presentes várias autoridades estaduais, como deputados e provavelmente até o próprio governador Marcelo Miranda. E, ao me convidar, ele me entregou toda a programação do evento, que se iniciava exatamente às 8 horas, com a celebração de uma santa missa em ação de graças. “Seria bom que o senhor fosse cedo, para registrar tudo desde o início e publicar nas páginas de O PROGRESSO”, aconselhou-me o ex-aluno.

Convite e conselho aceitos. No domingo, dia do tal evento, me dirigi até o local e lá chegando, já por volta das oito e meia, fui direto para a igreja, ou melhor, para a capelinha, para assistir pelo menos ao final da missa. Para a minha surpresa, a celebração sequer tinha começado. A capela estava cheia, com o povo suando por todos os poros, devido ao forte calor, mas nada do padre celebrante chegar à casa de Deus. Mais ou menos às nove e quinze, eis que chega o sacerdote em seu “fusquinha”, brigando e reclamando: “Eu não gosto de chegar atrasado nos meus compromissos, mas a culpa é do diabo deste carro, que deu prego!”, justificava bem alto o sacerdote, enquanto se paramentava para a celebração da santa missa. E, por mais duas ou três vezes, repetiu: “Este carro deve ser do capeta!”.

Começa a celebração e eu me posiciono ao lado de um grande amigo, por sinal deputado estadual, e na hora do tradicional sermão, o padre diz que foi convidado para celebrar aquela missa e que a pessoa que o convidou havia garantido que mais de 100 pecuaristas e autoridades estariam presentes. “Então, eu pensei: na pior das hipóteses, eu vou ganhar uns 50 bezerros”, comentou bem alto, e mais alto ainda fez a pergunta: “Quem vai me dar um bezerro?”. Silêncio total, e o padre, repetindo a pergunta: “Quem vai me dar um bezerro?”. Após uma sequência de mais ou menos 5 perguntas, o pecuarista P.S. levantou o dedo e afirmou que lhe daria um bezerro, e de imediato o padre abriu uma pasta que estava colocada ao lado, em cima do altar, e tirou um papel, pedindo para que o pecuarista assinasse, justificando o pedido da seguinte maneira: “Em palavra de fazendeiro e de político, eu não acredito nunca!”.

A igreja quase veio abaixo com tantas gargalhadas. Um dos que mais sorriam era o deputado estadual que estava ao meu lado, e este – ao observar que o padre estava olhando para ele – procurou se esconder atrás de uma coluna. Foi então que o padre chamou a sua atenção: “Ei, você aí! Vai ou não vai me dar um bezerro?”. O parlamentar respondeu que não era pecuarista, não tinha fazenda e que era apenas um deputado estadual, representante do povo na Assembleia Legislativa. O padre não perdeu o “rebolado” e contra-argumentou: “E eu não sei? Eu lembro até o dia em que você foi na minha igreja para dizer que ia entrar na política. E você lembra o que eu lhe disse na ocasião?”. O deputado fez um sinal negativo com a cabeça, embora baixinho comentasse comigo: “Eu lembro e, se ele repetir, o povo vai morrer de rir”. Ante a negativa do parlamentar, o sacerdote tentou reavivar a sua memória: “Pois é, naquela ocasião eu lhe disse: é mais um para roubar”.

Gargalhadas e mais gargalhadas, inclusive da minha parte, que fui a próxima vítima do padre. Ao me ver rindo, o padre olhou para mim e, apontando o dedo em minha direção, repetiu a pergunta feita já várias vezes: “E você, vai ou não vai me dar um bezerro?”. Respondi-lhe, com a maior sinceridade do mundo, que eu era um simples jornalista, funcionário do jornal O PROGRESSO, e que ali estava apenas para fazer a cobertura jornalística do evento. “Eu não tenho nada, padre!”, confessei ao sacerdote, que sem dó nem piedade, me respondeu: “E eu não sei? Mas do jeito que o senhor puxa o saco dos políticos, se não tem nada, é porque é muito burro!”.

Terminado o evento, voltei para casa com um enorme ponto de interrogação em minha cabeça.
 

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