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21/08/2021 às 00h00min - Atualizada em 21/08/2021 às 00h00min

E Nada morre para sempre!...

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Nada morre para sempre! Alguma coisa sempre fica. De onde outra nasce. O grão de trigo morre para germinar. Se não, não serve para nada. Porque a vida quer viver. Como um profeta a fazer premonições, Fernando Pessoa, na voz do seu heterônimo Álvaro de Campos, clama: – Não! Só quero a liberdade! Amor, glória, dinheiro são prisões! Em síntese: o poeta não quer outra vida a não ser viver.

O tempo é um eterno desafio do viver. Viver é morrer. Ou viver é lutar, no canto poético de Gonçalves Dias. E o passado nem sempre é passado. Insisto e repito obsessivamente William Faulkner: – O passado nunca morre. Sequer é passado. Em A cor púrpura, um personagem, sentindo a opressão das circunstâncias, traduz a sua inquietação: – Quanto mais as coisas mudam, mais parecem iguais. E o futuro? O que é o futuro? Uma grave e duvidosa interrogação. Nada mais. Sabe-se lá se o futuro se faz presente. Há aqueles que vivem para futuro. Adoram o futuro. Amam para o futuro. Odeiam para o futuro. Poupam para o futuro. Preparam-se para viver o futuro. Casam para o futuro. Ou mesmo ficam sós. Ou têm filhos para o futuro. Constroem riquezas para o futuro. E morrem antes do futuro.

Ou somos esquecidos, ou somos criticados de forma ácida ou irônica. Nem mesmo o Bom Samaritano escapou dessa trágica e humana sina. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, de péssima lembrança para o trabalhador inglês, no tempo da imposição dos insanos postulados neoliberais, para justificar o poder do capitalismo, declarou, com a ironia britânica, que “ninguém se lembraria do Bom Samaritano, se ele tivesse apenas boas intenções. Ele tinha dinheiro também”. Cristo não teve a intenção, ao criar a parábola do Bom Samaritano, em demonstrar as suas virtudes capitalistas, de pagar a conta, mas ressaltar o ato de servir, no sentido de pôr-se ao atendimento das carências do próximo. Quem é o próximo? Eis a comprometedora indagação, que nos é feita do nascer ao morrer.

Não sou tão velho assim, mas sou da época em que fazer caridade não carecia de tanta publicidade televisiva. Tudo era simples. Os óbolos eram dados, sem a necessidade de ter-se um lugarzinho no céu, ao lado do Pai Eterno. Sou de uma época, em que os milagres não eram tão vulgares e vulgarizados. As graças divinas eram recebidas com um simples e sincero pedido. Era o batei à porta e ela se abrirá. Peça e o Senhor, na sua infinita bondade, o atenderá. E ainda assim o agraciado não estava facilmente salvo. Tinha que lutar pra burro para conseguir escapar do inferno, embora Sartre tenha dito que o inferno são outros. Coisa de filósofo existencialista. Mas não sei o que mudou. O tempo tem pressa. Os negócios com as coisas do céu estão mais lucrativos. Mais lucrativos do que na época das espúrias indulgências. Margaret Thatcher, acima lembrada, com a sua acuidade capitalista, viu o Bom Samaritano não como o exemplo do próximo. Ah!,se ele não tivesse dinheiro, afirma a Dama do capitalismo, ninguém se lembraria das suas boas intenções, até porque, diz o brocardo popular, de boas intenções o inferno está cheio.

Mas repito: embora não tão velho assim, sou do tempo em que ralhar era chamar a atenção, passar carão daqueles. De uma época em que as mulheres gozavam de grandes privilégios, e infelizmente não eram tão iguais aos homens. Estes sempre tiveram a mania de ser mais iguais, no dizer Orwell. As mulheres tinham tantos privilégios que, em qualquer transporte coletivo, ao subir esse ente bíblico, nascido da costela de um solitário homem, este, obsequioso, levantava para dar-lhe a primazia do lugar. Parece-me que hoje a mulher é quem presta essa reverência ao homem, que, de sexo forte, está cada vez ficando mais fragilizado nesse embate com o sexo oposto, que nem mais é sexo, é gênero.

Sou do tempo da cristaleira, do petisqueiro e da penteadeira. Do tempo em que se mandava roupa para a tinturaria. Sou da época do luto, em que se prestavam sentimentos de dor aos familiares que sucumbiam sem a possibilidade de viver o futuro. Sou de um tempo em que se almoçava e jantava, e a dieta era um bom prato de arroz e um apetitoso e fumegante cozido, condimentado de mandioca. Sou de um tempo em que os bons ternpos eram feito por um bom alfaiate, e os sapatos pelos sapateiros, que ainda os eternizavam com as reiteradas meias-solas. Nesse passadismo, vocês me perguntariam: nesse tempo, tudo era bom? Não. E não. O alfaiate nem sempre fazia uma boa roupa; nem o sapateiro um bom sapato. Também não havia a bendita televisão, nem a internet e o celular, esse eterno companheiro de todas as horas, minutos e segundos. Sentava-se à porta, tinha-se a mania da conversa e de falar bem ou mal da vida dos outros. Hoje, é verdade, é cada um por si e, dependendo do dizimo, Deus por quem o paga. Mas, felizmente, continuam-se a fazer filhos com as mesmas práticas e métodos do comecinho de tudo, no agradável paraíso de Adão e Eva. Há algumas variações, a in vitro, é verdade, porém sem os prazeres da concepção. Mas são os novos tempos. Nada morre para sempre! A vida começa todos os dias, nunca deixando de ser inovação e repetição.

* Membro da AML e AIL
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