Distante se vai aquele tempo – o tempo em que se mandavam e recebiam-se cartas. A carta era um instrumento de comunicação. A carta despertava um sentimento de integração, de familiaridade, de afinidade, de amizade - além das confidências e outras assertivas que nelas de estabeleciam
Mandar e receber uma carta despertava emoções. A carta tantas vezes falava pelo nosso coração. Faziam-se declarações, juras, promessas. Negócios, até. Projetavam os nossos sonhos, diziam do nosso EU. A carta era a nossa fala, as nossas lamúrias, queixumes, confissões. A nossa expressão na comunicação. Tinha força de documento até. Um registro que tantas vezes guardava-se pelo resto da vida. Rasgar uma carta? Inutilizá-la? Ao contrário: costumava-se guardá-la.
A carta já teve o seu tempo, Tinha até papel de carta. Lembra? Com envelopes guardados e até mesmo uma lapiseira, só para fazer carta. E quando o carteiro chegava?! O coração disparava! Outra coisa: quem não sabia escrever nem sabia fazer uma carta, pedia a quem soubesse escrever para então fazer-lhe uma carta. Nordestinos de outrora em São Paulo ou em Brasília –por exemplo. A carta, então, era um “ditado”
O ato de escrever e enviar uma carta mexia com o nosso ego, expunha o nosso EU. Receber uma carta, então, principalmente da pessoa amada, era sem dúvida um ALIMENTO ao sentimento que nos unia à remetente, daquela missiva que tantas vezes nos enchia de alegria e satisfação; ao passo que... vezes outras... a carta nos trazia dores, tristezas, frustrações. As comunicações de hoje em dia também têm dessas coisas. Mas a carta era enigmática, um tipo majestoso, carregada de declarações!
Era o tempo daqueles envelopes com bordas em verde e amarelo. Lembra? Essas vinham refesteladas de selos e carimbos dos Correios. Aqueles selos e carimbos, transmitiam a sensação do “confeite do bolo”. Selos e carimbos nas cartas faziam parte da carta, davam imponência à carta – fosse na remessa fosse no recebimento. Enfim, no quanto se mandava daqui para lá ou no quanto se recebia de lá pra cá.
Guardo e lembro com saudade aquele velho tempo da carta. Fiz dessa escrita, um norte de vida, tal o desvelo a dedicação, a expectativa, a que sempre tive diante da carta - fosse como remente, fosse como destinatário. Afinal, a carta foi o grande elo que uniu as pessoas, no convívio social. ******
As cartas, tantas vezes, porém, eram uma manifestação de dor. De frustração. Um rastro de sofrimento. De término. De separação. De um adeus. Adelino Nascimento diz que: “A carta que você deixou sobre a mesa / Nela estava escrito tamanha tristeza”.
Vanuza diz que “Quando o carteiro chegou /E o meu nome gritou/ Com uma carta na mão/ Ante surpresa tão rude/ Nem sei como pude/ Chegar ao portão. Já Roberto diz: “Escreva uma carta meu amor/
E diga alguma coisa por favor. E Erasmo diz: Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas meu amor / Porque veio a saudade visitar meu coração”. E quem não poderia faltar nesta galeria é o Valdick que diz: Minha querida, saudações/ Escrevo esta carta / Não repare os senões / Para dizer o que sinto / Longe de ti / Amargurando na saudade/ As horas vividas com felicidade. Ou... com diria eu “... que esta carta não só fale mas... grite por mim”
A carta que tantas vezes serviu para dar luz e cor às janelas, muitas vezes foi um fechamento de portas que a vida nos tem mostrado ao longo do tempo. E o BILHJETE? – O bilhete era o “primo pobre” da carta. Não tinha a mesma expressão da carta. Nem envelope, nem selo dos correios. Mas foi uma via simplista da nossa comunicação escrita. Ia ou vinha pelo primo, pelo/a colega e até pelo/a garoto/a, de mero favor de ocasião. Pobre bilhete, dobradinho às vezes era desdobrado e furtivamente o seu conteúdo era conhecido pelo/a intruso/a mensageiro/a.
Hoje cartas não existem mais. O telefone negro, depois os telefones cinza e branco incumbiram-se de liquidar a mensagem das cartas. E agora com essa modernidade ao computador, celular, redes sociais, WhatZaap, e-mail e os cambau, quem mesmo é que vai mandar ou receber uma carta? A carta acabou! A carta enfim não vai mais. Nem vem mais. Acabou-se aquele estado de espera que a carta era.
Guardo porém, com lembranças e saudade o velho tempo da carta. E nessa paixão, fiz dessa escrita um norte de vida. E agora, quando lembro daquele velho tempo em que cartas se mandavam e cartas se recebiam, eu um amante-profissional da extinta carta, escrevo esta PÁGINA DE SAUDADE para os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
(Texto escrito originariamente para a minha crônica PÁGINA DE SAUDADE, na Rádio Mirante /AM, domingos, 08:00 hs., Programa CLUBE DA SAUDADE. Adaptado para estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI)
* Viegas questiona o social