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31/07/2021 às 00h00min - Atualizada em 31/07/2021 às 00h00min

Democracia, Constituição e Estado de Direito

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão.

 
As três instituições são irmãs siamesas. Se forem separadas, morrem. É como igualdade e liberdade; ambas precisam de uma da outra. Não se pode viver a igualdade sem liberdade, e a liberdade sem igualdade. Uma das mais graves tragédias do mundo, que nos foi trazida pelo neoliberalismo, é o acentuado aumento da desigualdade, em que o pobre deixou de ser pobre e passou para condição de miserável. Sem eira nem beira, como se dizia algum tempo atrás. De uma obviedade primária: a sociedade foi criada para o ser humano, e o ser humano (esse animal social, na concepção aristotélica) para sociedade. Numa outra visão, deve ser dito, com absoluta convicção, que o Estado, instituição política, portanto Estado de direito, foi instituído para ser servo da pessoa humana, portanto da sociedade. O Estado tem os seus poderes limitados nas regras constitucionais, contidas na Lei Magna, que, historicamente, se originou, em milhares de anos atrás na Inglaterra, quando a nobreza entrou em conflito com o absolutismo monárquico.

Após a revolução liberal na Inglaterra, com o advento do capitalismo, teve-se outro acontecimento histórico importante na luta pela liberdade e igualdade, com registro na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América do Norte, votada em 04 de julho de 1776, que redundou na Constituição Americana proclamada em 17 de setembro de 1787, ainda vigente até os dias de hoje, embora tenham sido feitas algumas emendas, no curso desses mais de duzentos anos.

Na Declaração de Independência dos EUA, consta esta passagem: “Consideramos que essas verdades são evidentes, que todos os homens nasceram iguais, que foram dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre esses estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.” O preâmbulo da Constituição norte-americana, vigente desde 1787, proclama esses valores, ao afirmar: “Nós, o povo dos Estados Unidos, com o fim de formar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem estar geral e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.” Em seguida, o constituinte norte-americano fixa os parâmetros e a função institucional de cada poder – o Poder Legislativo, composto pelo Senado e Câmara de Representantes e constituído por membros eleitos pelo voto; o Poder Executivo, exercido por um presidente eleito para um mandato de quatro anos, e o Poder Judiciário, constituído por uma Suprema Corte e por tribunais inferiores. Essa formação do Estado americano tem suas peculiaridades históricas e próprias, permanecendo intactas. O que a Corte Suprema diz, cumpre-se. Na batalha pela igualdade racial, foi assim.

O nosso Brasil, pátria amada para alguns ufanistas de ocasião, já teve várias e sucessivas constituições, desde a de 1824, a Constituição imperial, na qual prevalecia o Poder Moderador, exercido evidentemente pelo Imperador, embora o País gozasse do rótulo de independente, mas a República ainda estava longe de ser proclamada.

Proclamada a República, o Congresso Constituinte foi instalado em 15-11-1890, e funcionou ininterruptamente no antigo Palácio Imperial (na Quinta da Boa Vista). Esse congresso foi formado das mais diferenciadas classes, numa composição heterogênea, incluindo republicanos históricos, propagandísticas do novo regime e, como não poderia ser de outro modo, de adesistas, arrivistas e oportunistas. Na elaboração da Constituição de 1891, houve influência profunda das ideias positivistas do francês Augusto Comte e do jurista baiano Rui Barbosa, o qual trouxe o modelo americano do sistema presidencialista para o nosso ordenamento jurídico constitucional.

A coisa desgringolou de tal modo que, como afirma Aliomar Baleeiro (In: Constituição de 1981, Centro de Ensino à Distância, 1987, p. 24), para ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal, “o texto não dizia que o ‘saber’ deveria ser especificamente ‘jurídico’, Floriano (o marechal) nomeou para o STF um general e um médico. Este, Barata Ribeiro, chegou a exercer o cargo. Mas o Senado assentou que só juristas poderiam ser Ministros do STF”. A nossa Constituição, a vigente, de 1988, fala em notável saber jurídico. Mas, do jeito que as coisas estão andando, a qualquer momento será indicado para o STF algum amigo do peito do capitão, especialista em rachadinha. E ainda haverá quem esteja de acordo.

Lincoln, é bom lembrar, esse grande e inesquecível presidente, filho de lavradores, na sua luta pela libertação dos escravos, no célebre discurso em Gettysburg, em julho de 1863, disse, em poucas palavras, que se eternizaram para todos os séculos: “Oitenta e sete anos atrás nosso pais construíram neste continente uma nova nação, concebida com liberdade e imbuída da proposição de que todos os homens são iguais.” E finalizou com a concepção definitiva de democracia: “...e que o governo do povo, pelo povo e para povo não pereça por causa da terra.”

Mas, sem concessões, continuemos a lutar por esses irmãos siameses acima referidos:Democracia, Liberdade e Estado de Direito.

* Membro da AML e AIL
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